SABEDORIA

  1. Yi Jing Orienta
  2. Yi Jing: Uma ferramenta para o autoconhecimento
  3. Glossário
  4. Sabedoria
Glossário

CONTEÚDO DO GLOSSÁRIO

Sabedoria

Tendências e circunstâncias

As quatro modalidades básicas

Formas de agir

Resultados da ação

Termos técnicos

Frases importantes

Então, como e por que agir?

SABEDORIA

Saber: 知 zhï

知 [111-03; W131E]: Representa uma boca 口 kôu falando como uma flecha 失 shî certeira. Significa: “Saber, realizar, entender, ser ciente de; apreciar, distinguir, estar familiarizado com; lembrar, ver; informar, fazer saber; conhecimento, estar consciente, consciência, habilidade para conhecer; sabedoria”.

Para Hansen (1992, pág.85) [Sublinhados meus]:

“Zhï é mais parecido com habilidade do que com o processamento de alguma informação. Devemos entender zhï como saber como e não como saber ou conhecer sobre”.

Por sua vez, Hall e Ames (1998, pág.30) dizem:

“Zhï não pode ser reduzida a estados mentais. Não é um processo abstrato, mas uma atividade profundamente concreta que procura maximizar as possibilidades existentes e as condições que contribuem para elas. Saber é obter o máximo de cada situação. É realizar o mundo. Como tal, o realizador não é independente das circunstâncias realizadas, mas, mais propriamente, é um elemento constituinte do processo criativo de fazer um mundo. É frequentemente entendida como ‘pré-conhecimento’ devido a sua forte conotação de performance. Não significa aceder a uma fonte reveladora, mas a habilidade de antecipar um futuro particular, e a força de caráter para consolidar a comunidade humana em tal forma como para fazê-lo acontecer.” 1

Referendo-se a zhï, Jullien (1997, pág.181) diz:
“Trata-se mesmo de conhecimento, mas concebido de outro modo. Se nossa tradição filosófica pensou o conhecimento numa relação de sujeito a objeto e segundo uma mira teórica (ao mesmo tempo descritiva e desinteressada), a concepção do conhecimento que aparece aqui corresponde a um projeto completamente diferente. Eu proporia esquematizar assim a diferença: por um lado, esse outro tipo de conhecimento não se exerce sobre um objeto (a ser identificado), mas sobre um curso (a seguir), sua moldura não é o espaço aberto pelo olhar, o da res extensa, mas um desenrolar temporal; por outro lado, não encontra sua fonte num sujeito detentor de faculdades (classificadas hierarquicamente por nossa teoria do conhecimento), mas na aptidão para continuar um processo (cujo ideal, em consequência, é jamais deixá-lo bloquear ou submergir) [...]. Por isso esse conhecimento não procede por abstração (que define “formas”, “Ideias”), mas por “familiarização” (adquirida através da experiência íntima de um desenrolar); ela não visa à determinação atemporal de uma verdade, com um objetivo especulativo, mas à apreensão antecipada de uma evolução, de modo a poder tanto melhor detoná-la. Seu ideal, em consequência, não é a felicidade (grega) obtida pela contemplação de um ser eterno inteligível, mas a aptidão para não se deixar jamais desconcertar pelas transformações, de poder, ao contrário, continuamente antecipá-las e favorecer seu advento.”

Na China, principalmente no taoísmo, o ideal do saber é 無 知 wúzhï, lit. ‘não saber’. Isso, porém, não significa, como poderíamos acreditar, ‘ignorância’ (que é indicada pela palavra 冥 míng) mas um saber não mediado, um saber dificilmente expresso em palavras, um saber só comunicável pelo exemplo. Alguém pode explicar como amarrar os cadarços dos sapatos? Não, esse saber não se explica, mostra-se. Alguém pode explicar como executar um instrumento? Não, esse saber só se aprende praticando, praticando e praticando até que se possa executar uma música sem pensar nela, nem no instrumento, nem, sequer, nos movimentos dos próprios dedos. Isso é wúzhï.

Ainda que originado numa outra tradição, Krishnamurti conseguiu expressar o que está por trás de wúzhï quando disse (Diário de Krishnamurti, Cultrix, pág.157):

"Precisamos libertar-nos da palavra, colocá-la em seu devido lugar, sem atribuir-lhe excessiva importância; cumpre ver que a palavra não é a coisa e que esta jamais será a palavra; atentar para os perigos contidos nas diversas modalidades de palavras, sem negligenciar seu emprego consciencioso e correto. É necessário ser sensível às palavras sem se deixar dominar por elas; ser capaz de romper a barreira verbal ao considerarmos um fato; e ter condições de neutralizar o efeito venenoso das palavras sem se tornar insensível a sua beleza. Importa abandonar toda identificação com a palavra e estar apto a analisá-las de modo isento para escapar à cilada e ao engodo que elas encerram. Elas são meros símbolos, nunca a coisa real. O véu das palavras serve de abrigo à mente fraudulenta, leviana e preguiçosa. A escravização às palavras é o princípio da inação que só é ação na aparência; a mente atrelada ao símbolo não vai muito longe. Cada palavra, cada pensamento influencia a mente, e esta, quando não compreende o processo do pensar, torna-se escrava das palavras, dando assim início ao sofrimento. As conclusões e as explicações de nada servem para libertar-nos do sofrimento.”

No zen, que se define a si mesmo como um ‘ensinamento sem palavras’, o conceito de wúzhï se exprime na conhecida história: “No começo, eu era ignorante e as montanhas não eram montanhas nem os rios, rios; depois de estudar, as montanhas viraram montanhas e os rios, rios; continuei a estudar e verifiquei que as montanhas não eram montanhas, nem os rios, rios”. Assim, wúzhï não é ‘ignorância’ mas o ‘esquecimento do aprendido’; referindo-se ao saber que resta uma vez esquecidas as palavras usadas para aprendê-lo. Um pianista é julgado pela qualidade de sua interpretação e não pela precisão com que descreve as técnicas de digitação ou as partes em que se divide a obra executada, coisas que alguma vez teve que aprender para chegar aonde chegou.

Pela sua vez, Herrigel (1975, pág.71) relata sua surpresa sobre o fato de seu professor japonês de arco e flecha ser capaz de atingir o alvo no meio da escuridão por duas vezes consecutivas. Mas podemos facilmente compreender que o professor, depois de longos anos de prática, era capaz de saber onde se encontrava o alvo simplesmente pela posição de seus próprios músculos, tudo isso sem ser mediado por pensamentos conscientes.

PALAVRAS-CHAVE

HÁBIL:
Adestrado, apto, capaz, competente, conhecedor, desembaraçado, desenvolto, despachado, destro, eficaz, eficiente, engenhoso, esperto, experiente, experimentado, habilidoso, habilitado, industrioso, jeitoso, maneiro, manhoso, mestre, perito, prático, sabido, talentoso, versado. Agudo, apurado, ardiloso, arguto, articulado, astuto, atento, atinado, avisado, destro, douto, educado, engenhoso, entendido, erudito, esclarecido, esperto, ilustrado, instruído, inteligente, lúcido, malandro, penetrante, perspicaz, raposa, sábio, sagaz, sensato. Capacidade, aptidão, competência, destreza, maestria, perícia, prática, talento. Agilidade, ligeireza.
SABEDORIA:
Prudência, reflexão, sensatez, temperança; prever, antever, pressentir; experiência, prática, tarimba, traquejo, treino.

Utilização

H01Com // H023Pim // H195 // H39Exp // H54Img // H601Pim // H641Pim, H646Pim 2

Pessoa sábia: 君 子 jün zî

君 [030-04; W44C]: Uma mão que exerce autoridade 尹e uma boca 口que dita leis. Significa: “chefe, senhor, soberano, príncipe”.

子 [039-00; W94A]: Representa um neném com as pernas recolhidas e significa: “filho; título honorífico, após o nome de uma pessoa indica dignidade”.

O Yi Jing refere-se ao sábio não tanto pelos seus conhecimentos, mas pela sua estatura moral. A pessoa sábia, 君 子 jünzî, é o antônimo de 小 人 xiâo rén, “homem pequeno, homem comum ou homem inferior”. O sábio tem a capacidade de sintonizar sua conduta com as tendências do momento, ainda que isso signifique não agir, mantendo imutáveis, ao mesmo tempo, seus princípios morais.

A tradução normal de ‘homem superior’ pode ser interpretada como tendo uma conotação de ‘autoridade ou status social’ ou de ‘sentir-se por cima dos demais’. Por outro lado, ‘probo’ refere-se somente ao caráter moral da pessoa e não à sua sabedoria. Finalmente, ‘pessoa’ elimina o viés sexista que a palavra ‘homem’ tem.

PALAVRAS-CHAVE

Homem de bem, probo, decente, correto, digno, honesto, honrado, íntegro, justo, leal, reto, sério, virtuoso. Sábio, sensato, equilibrado, judicioso, prudente. (Vide ‘saber’.)

Utilização

Muito utilizada em todos os textos para expressar um ideal de conduta.

Princípio, razão: 理

理 [095-07; W83A]: Jade 玉 , com marcas que lembram um terreno irrigado 田 tián, no campo 土 . Significa: “As linhas ou marcas numa pedra preciosa; lógica, razão; um tema, uma teoria; a adequação das coisas; correto, como um princípio abstrato; verdade, realidade; verdade ou princípio original; princípio universal”.

A palavra praticamente não é utilizada no Yi Jing, já que adquiriu seu status filosófico com o neoconfucionismo no século XI, mas é muito importante para compreender o pensamento chinês. Normalmente é traduzida como princípio ou razão, mas é necessário, porém, eliminar dessas palavras alguns significados próprios do pensamento ocidental.

Nosso conceito de razão origina-se na expressão “a está para b como c está para d”, e estabelece uma relação clara e precisa entre os termos envolvidos. Quanto mais claro seja esse enunciado tanto mais próximos estaremos de expressar de forma ideal aquela relação. Essa forma ideal explicita a lógica que vemos operar por trás dos fenômenos considerados. Assim, pretendemos superar o que imaginamos ser uma corrupção própria da natureza e procuramos formas puras que a transcendam. Por isso preferimos retas, triângulos, círculos, etc., a que atribuímos um status superior perante outras formas, que consideramos corrompidas pelos sentidos ou pelas circunstâncias.

A China viu as coisas de forma diferente. Para ela a lógica por trás dos fenômenos possuía o que no Brasil chamamos de ginga. Ela é o resultado de uma dança executada pelas variáveis envolvidas e, assim, uma reta ou um triângulo é algo totalmente artificial e desprovido de beleza ou de significado fundamental. O ideal está representado pelas marcas no jade ou pelo efeito do vento nas dunas de areia. É óbvio que essa forma de ver as coisas originou-se na extrema importância que os chineses atribuíram sempre à natureza.

não está distante de alguns significados da palavra razão. Para Hall (1998, pág.30), é aquilo que “faz sentido das coisas”, só que envolve uma atividade analógica que constrói categorias 3 e identifica, por meios analógicos, detalhes correlatos que manifestam padrões de relacionamento imanentes dentro das coisas e eventos. Noutras palavras, na China sempre predominou o pensamento analógico 4, enquanto o Ocidente priorizou o pensamento lógico.

Vemos que a China não considerava que os fenômenos fossem caóticos ou desprovidos de regras que os norteassem; simplesmente, sua forma de considerar esses princípios era totalmente diferente da nossa.

PALAVRAS-CHAVE

PRINCÍPIO:
O que serve de base a alguma coisa; causa primeira; Lóg.: na dedução, a proposição que lhe serve de base, ainda que de modo provisório, e cuja verdade não é questionada”. Causa, germe, origem, motivo, raiz, razão semente, premissa.
ANALOGIA:
Afinidade, coerência, conformidade, equivalência, parecença, correlação, semelhança, similaridade, similitude.

Utilização

H02Com

Acuidade, clareza, óbvio: 明 míng

明 [072-04; W42C]. Representa o sol 日 e a lua 月 juntos. Significa: “Claro, brilhante, luminoso; inteligível, evidente; esclarecer, iluminar; abrir, revelar, manifestar, explicar; distinguir claramente; penetrante, inteligente, brilhante; entender; iluminação; habilidoso”.

Míng, geralmente traduzido por ‘iluminação’, não tem, necessariamente, uma conotação mística nem se refere a um estado mental diferenciado ou ‘elevado’. Pelo contrário, míng refere-se àquilo que é óbvio e claro, podendo ser compreendido com o bom senso. Zhuangzi utiliza míng dessa forma quando disse: “Se desejamos afirmar o que os outros negam e negar o que os outros afirmam, então nada melhor que usar o óbvio.” Com isso ele quer apontar ao fato que diferentes pessoas sustentam diferentes pontos de vista que só podem ser harmonizados mediante aquilo que é óbvio para todas as partes porque se destaca com clareza.

Jullien (1997, pág.150) contrapõe míng a 幽 yöu: “Obscuro, obscurecido; tenebroso, sombrio; secreto, sutil, misterioso” e os traduz, respectivamente, como patente e latente.

Tendo que decidir entre posições alternativas, essa acuidade do sábio não significa que, usando o óbvio, ele se limite a uma espécie de máximo denominador comum que possa sugerir uma diminuição [“o máximo que podemos dizer é...”]. Na realidade, o sábio constrói a partir de um mínimo múltiplo comum que carrega um sentido de aumento [“a partir do mínimo em que concordamos, podemos, então, extrapolar para...”].

PALAVRAS-CHAVE

ACUIDADE [Vide Ames and Hall, 2003, pág.39]:
Qualidade de agudo; agudeza de percepção; perspicácia; finura; intensidade, veemência”.
Bom senso [Vide Ames and Hall, 2003, pág.99]:
Aplicação correta da razão para julgar ou raciocinar em cada caso particular da vida; capacidade de julgar e de resolver problemas conforme o senso comum [= Conjunto de opiniões e modos de sentir que, por serem impostos pela tradição aos indivíduos de uma determinada época, local ou grupo social, são ger. aceitos de modo acrítico como verdades e comportamentos próprios da natureza humana]”.
Percepção:
Agudeza, argúcia, discernimento, inteligência, penetração, perspicácia, clareza, sagacidade, sutileza, lucidez, engenho, esperteza, gume, tino, viveza.
CLAREZA:
Qualidade do que é claro ou inteligível; limpidez, nitidez, transparência; qualidade da vista que percebe e distingue bem as coisas”.
Evidente:
Claro, explícito, manifesto, patente, visível; incontestável, axiomático, indiscutível, inegável, irrefutável; notório, patente, provado.
Esclarecido:
Claro, alumiado, iluminado; elucidado, explicado, desvendado; dotado de ilustração, saber, cultura; nobre, ilustre, preclaro”.
Lúcido:
Que luz; resplandecente; brilhante, luzente; transparente, límpido, diáfano; claro, conciso, preciso; que tem clareza e penetração de inteligência: que mostra uso de razão”.
Manifestar:
Tornar manifesto, público, notório; divulgar, declarar; dar sinais de; apresentar, revelar, exprimir, patentear; declarar, mostrar, revelar; fazer-se conhecer; revelar-se, mostrar-se; patentear-se, exprimir-se”.
ÓBVIO:
“Que está diante dos olhos; que salta à vista; manifesto, claro, patente; axiomático, evidente, incontestável; que se compreende ou percebe por intuição; intuitivo”.
Patente:
Aberto, franqueado, acessível; claro, evidente, manifesto.

Utilização

H034PIm // H061PIm // H10Exp, H103PIm // H18Exp // H14Exp, H144PIm // H15Exp // H174 // H21Exp, H21Img, H216Pim // H22Exp, H22Img // H30Exp, H30Img // H35Exp, H35Img // H36Nome // H38Exp // H434Pim // H471Pim // H483 // H49Exp, H49Img // H50Exp // H52Exp // H55Exp, H554Pim // H56Exp, H56Img

Discriminar, discernir: 辨 biàn

辨 [160-09; W102H]: representa dois criminosos acusando-se um ao outro, separados drasticamente por uma faca 刀. Significa: “Conseguir, cumprir, executar; vencer, superar a; distinguir, diferenciar, esp. através da palavra; discernir, discriminar, conhecer, entender. [Por extensão: dividir.]”

A imagem fornecida pelo caráter lembra a atitude do Rei Salomão perante as duas mulheres que discutiam a maternidade de uma criança: ele ameaçou cortá-la ao meio para dar fim à discussão, sabendo muito bem que essa ameaça ia permitir distinguir a mãe verdadeira da falsa.

Esta palavra passa a ter um significado filosófico na China a partir de Mozi (479?-381? A.C.). O moísmo considerava que a capacidade de discriminar entre o certo e o errado, o favorável e o desfavorável, o útil e o nocivo, era uma das características básicas que permitia identificar um sábio.

PALAVRAS-CHAVE

DISCRIMINAR:
“Perceber diferenças; distinguir, discernir; colocar à parte por algum critério; especificar, classificar, listar”. Discernir: “Conhecer distintamente; perceber claro por qualquer dos sentidos; apreciar; distinguir; discriminar; estabelecer diferença; separar, distinguir; fazer apreciação; julgar, decidir”. Demarcar, diferençar, diferenciar, discriminar, distinguir, estremar, separar.

Utilização

H10Img // H13Img // H144Pim // H232 // H64Img

NOTAS

  1. ♫ “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” ♫.
  2. Utilizaremos a seguinte convenção: os textos básicos do Yi Jing (Julgamentos e linhas) aparecerão em negrito; os anexos canônicos serão identificados como Exp = Explicação dos Hexagramas, Img = Imagem, Pim = Pequena Imagem de cada linha, Com = comentários dos hexagramas H01 e H02.
  3. As mais importantes das quais são as de yin e yang.
  4. Analogia: “Ponto de semelhança entre coisas diferentes; semelhança, similitude, parecença; Filos.: semelhança de função entre dois elementos, dentro de suas respectivas totalidades”.