Esta página en español

PARA QUE NOS SERVE O PENSAMENTO CHINÊS?

  1. Yi Jing Orienta
  2. Textos introdutórios
  3. Para que nos serve o pensamento chinês?

Jorge Vulibrun 1

POR QUE CHINA?

A China está em evidência. Tudo o que dela vêm está rodeado de um certo glamour que nos atrai ou nos repele. Mas, será só uma mania ou há nessa evidência algo valioso que podemos aproveitar?

Primeiramente, devemos lembrar que a China (中 國 Zhong Guo, lit.: País do Centro) é, praticamente, uma ilha rodeada pelo Oceano Pacífico, a tundra siberiana, as estepes de Ásia Central, os montes Himalaia e as selvas da Indochina. Isso, unido a pouca disposição chinesa para a navegação marítima, manteve o país isolado e fortaleceu o desenvolvimento de uma cultura própria muito específica.

Como nação, a China possui um registro histórico contínuo de mais de três mil anos, fato singular na história da humanidade, só compartilhado pela Índia. Esta, porém, apresenta fases fortemente diferenciadas em função das invasões que sofreu e que introduziram mudanças significativas na sua cultura, em tanto aquela, que sofreu também invasões (tibetana, mongol, manchu), sempre conseguiu absorver a seus conquistadores, incorporando-os na cultura chinesa.

Esses registros históricos nos chegam na forma de textos de todo tipo, perfeitamente legíveis em função da constância da escrita chinesa, que se encontram em objetos de bronze, estelas de pedra e manuscritos em tiras de bambu, panos de seda pintada e papel. Podemos afirmar, sem exagero, que a cultura chinesa outorgou uma prioridade enorme à escrita, o que levava, já na dinastia Han (sécs. III a.C. – III d.C.) à existência de grandes bibliotecas.

Uma característica saliente da história chinesa é que ela passou por ciclos de desenvolvimento, estancamento e decadência que se repetiram muitas vezes ao longo do tempo. Esses ciclos coincidem, não muito surpreendentemente, com as diferentes dinastias que governaram esse imenso país e com os interregnos de lutas civis ou de invasões que as separaram. Assim, falar de uma dinastia chinesa equivale a se referir a características específicas de pensamento, de formas políticas e econômicas, de estilos arquitetônicos, etc., sem que por isso percam sua “chinesidade” básica. Adicionalmente, a cultura chinesa foi o fator civilizador principal dos países que a rodeiam, como Japão, Vietnã, Tibet, Mongólia, Coréia, influência conseguida sem que, em geral, fossem necessárias invasões armadas.

PERÍODOS DA HISTÓRIA CHINESA

MíticoGovernantes ‘sábios’. Três reis e cinco imperadores: Fu Xi, Shen Nung, Huang Di (o Imperador Amarelo), Yao, Shun
-2205?/-1766?Dinastia xia. Fundamentalmente mítica; culturas primitivas ao longo do Rio Amarelo.
-1765?/-1123?Dinastia shang. Registros arqueológicos e escritos (escritura em carapaças de tartaruga e vasos de bronze). Estabelecida no curso inferior do Rio Amarelo (nordeste da China atual)
-1122?/-256Dinastia zhou. Fundada pelos reis Wen e Wu (autores míticos do Yi Jing [I Ching]). No começo ocupa uma pequena fração da China central atual. (Carros de guerra?)
Período primaveira-outono. -722/-481: Diminuição do poder dos Zhou. Regime feudal. (Armas de ferro). Confúcio, Laozi
Período dos estados guerreiros. –403/-221: Guerras civis constantes. Idade de ouro do pensamento clássico, chamado também Período das Cem Escolas (sem que nenhuma tivesse predomínio duradouro). Mêncio, Zhuangzi, Mozi.
-255/-207Dinastia qin. Unificação da China. Predomínio da escola Legalista. Padronização da escrita (a mesma de hoje), dos tamanhos das carruagens, da administração pública. Queima de livros (-213). Soldados de terracota.
-206/+220Dinastia han. Consolidação do Império. Taoísmo Huang-Lao (taoísmo + legalismo). O confucionismo, incorporando a escola yin-yang, vira ideologia dominante (-100). Manuscritos de Mawangdui (-178): Dao De Jing (Tao Te Ching), Yi Jing (I Ching). Invenção do papel (-100) e impressão xilográfica.
221/589Período de desunião. Vários estados e dinastias, intensa instabilidade política e econômica. Decadência do confucionismo, regência do taoísmo semi-religioso e introdução do budismo.
590/906Dinastia sui (590-617) e Dinastia tang (618-906): Ressurgimento da China. Esplendor durante os Tang (batalha de Talas, no norte de Afeganistão, em 751, contra os árabes). Dominância do budismo.
960/1279Dinastia sung. Politicamente fraca, com muitas invasões do Norte, mas muito florescente culturalmente. Grande síntese Neo-confuciana (o confucionismo incorpora elementos taoístas, budistas e legalistas) que predominou como ortodoxia até o séc. XX (Zhu Xi 1130-1200). Textos impressos por tipografia, com caracteres independentes (século X)
1280/1367Dinastia yuan. Domínio Mongol. (Marco Polo)
1368/1643Dinastia ming. Restauração chinesa. Viagens marítimas do almirante Zheng He entre 1405 e 1433, com navios de 100 m. e 500 homens, que chegaram até a África Oriental (e, conforme alguns estudos, até América do Sul)
1644/1911Dinastia qing. Domínio Manchu. Anarquia e invasões ocidentais durante o séc. XIX que marcou um ponto de grande decadência da China.
1948/Dinastia comunista. O Presidente, indicado pelo Partido Comunista, se equivale ao Imperador e os membros do Partido se equivalem à burocracia estatal dos mandarins. Adaptação de uma ideologia “legalista” forânea (o comunismo leninista) sobre uma base confuciana. 2

Até o séc. XVI os contatos entre China e Europa eram praticamente nulos em função das dificuldades de comunicação. Sim, mercadores viajavam entre esses pontos como o testemunha o famoso Caminho da Seda, as sinagogas em Kaifeng, os relatos de Marco Polo, etc., mas essas viagens não se constituíram em fatores de intercâmbio cultural. A única influência significativa que a China recebeu através das rotas comerciais da Ásia Central foi o budismo indiano. Assim, tanto sua língua quanto sua religião, cultura, filosofia e costumes, foram desenvolvidas de forma totalmente independente daquelas que predominaram na Europa. Ela não teve nem uma origem comum com Ocidente (como a Índia indo-européia) nem os contatos freqüentes que permitiram uma influência recíproca (como o Oriente Médio semita). É justamente aí onde reside seu valor: ela apresenta uma solução diferente aos mesmos problemas humanos.

A China nos apareceu (por meio dos missionários portugueses e espanhóis) já inteira e madura, mas logo se enfraqueceu por problemas internos que se estenderam até fins do séc. XX. Não por isso devemos agir como um Bwana inglês na África vitoriana, descartando essa solução como uma chinoiserie folclórica, ingênua ou qualquer outra pecha que possamos utilizar para desvalorizá-la, vista a continuidade cultural de mais de trinta séculos que China apresenta e que Ocidente não pode igualar.

Então, para que pode nos servir a China? Para nos fornecer um ponto de vista diferente que permita uma reavaliação de tudo aquilo que, de uma forma ou outra, sustenta nossos pensamentos e ações porque o consideramos verdade ou afirmação auto-evidente e que, portanto, não é pensado. Noutras palavras, para entender melhor o que significa estar inserido no pensamento ocidental e, pensando o impensado, visualizar as mudanças necessárias para nos permitir vidas mais produtivas e equilibradas. O pensamento chinês é o Outro lacaniano que ajuda a nos definir e compreender, a nos entender e melhorar.

A existência desse outro, ao fornecer um conjunto diferente de conceitos que sustentem a vida, provoca, inicialmente, insegurança e medo. De aí, a primeira reação é rejeitar. Mas, essa visão – que não por ser outra é mais verdadeira – oferece a oportunidade ímpar da síntese, o que permite galgar mais um degrau no avanço contínuo na direção de uma vida mais rica e equilibrada.

Resumindo, agora que está recuperando a força e a vitalidade que a caracterizaram durante tanto tempo, a China pode assumir o papel de espelho no qual a cultura ocidental se reflita e nos ajude a responder à pergunta: POR QUE FAZEMOS O QUE FAZEMOS DA FORMA EM QUE O FAZEMOS?

Obviamente, o fenômeno complementar acontece na China. Quando tiveram que enfrentar o fracasso evidente do socialismo maoísta, se fizeram essa mesma pergunta e, olhando no seu espelho, o Ocidente, se utilizaram dele com seu pragmatismo habitual, assumindo-se como sociedade tecno-industrial de consumo, única forma, neste séc. XXI, de trazer prosperidade aos habitantes de um país.

Toda cultura desenvolveu, em maior ou menor grau, quatro tipos de discursos: étnico ou folclórico, natural o científico, religioso ou místico e filosófico ou sapiencial. Neste último tipo de discurso (ao qual vamos a nos limitar neste trabalho) o pensamento chinês é múltiplo, como o ocidental, e está dividido em quatro grandes linhas: confucionismo, taoísmo, legalismo e budismo, muitas vezes incompatíveis e conflitantes entre si, mas que, também como no Ocidente, compartilham uma base conceitual, fundamentada em alguns princípios muitas vezes impensados e aceitos por eles como auto-evidentes. De toda a extensa história chinesa focalizaremos o período clássico, sécs. V à II a.C., porque corresponde a um momento onde a filosofia estava no apogeu e prestes a se converter em religião, num processo inverso ao ocidental.

São alguns desses conceitos auto-evidentes, ocidentais e chineses, que trataremos a continuação.

NADA É, TUDO ESTÁ SENDO

Vamos propor, à-la-Einstein, um experimento mental. Imaginemos que estamos ouvindo os sete últimos minutos da Sinfonia nº 9, em Ré menor, opus 125, a “Nona” de Beethoven, o coro final que fecha o que, em opinião quase unânime, é a jóia máxima da música mundial.

O que ouvimos foi a Nona de Beethoven? NÃO! O que ouvimos foram ondas sonoras geradas por um alto-falante que, propagando-se através do ar até nossos tímpanos, se converteram em sinais nervosos, integrados e interpretados pela rede neural do nosso cérebro. Esse alto-falante foi comandado por sinais elétricos, gerados por um software numa espécie de computador, que tentaram reproduzir o som emitido por mais de 100 pessoas ocupadas histericamente em golpear, raspar, beliscar e assoprar objetos de metal, madeira, couro, tripas e pêlos de animais, ao mesmo tempo em que outras 100 pessoas gritam em alemão: “Todos os homens são irmãos3. Essa multidão foi estimulada pela presença, na sua frente, de um indivíduo que, mexendo freneticamente uma vareta de madeira ou metal, tentou influir nas emoções, dedos, laringes e mentes de todos eles. Toda essa atividade aconteceu interpretando, mais ou menos fielmente, as instruções concebidas e escritas em 1824 por uma pessoa totalmente surda.

Devemos destacar que trocando de regente, a Nona Sinfonia não será a mesma; trocando de orquestra, a Nona não será a mesma; trocando de sala, de mídia ou de aparelho reprodutor, a Nona não será a mesma. Se o barítono solista tomou uma friagem no dia anterior à gravação, a Nona não será a mesma; se você estiver distraído, a Nona não será a mesma; se o telefone tocar, se ..., se ..., se ..., a Nona não será a mesma e o que você sentir ao ouvi-la não será o mesmo.

Por causa dessa variabilidade, a filosofia ocidental não conseguiu problematizar a música e sim a pintura. Um quadro está sempre presente, é sempre o mesmo, ele ‘é’ e pode-se falar interminavelmente sobre ele, argüindo num sentido ou outro. A música, pela sua vez, é fugaz, efêmera, nunca a mesma, ela só pode ser sentida no momento da sua execução. Merleau Ponty disse, nos seus “Textos Estéticos” e antes de partir para analisar os quadros de Cézanne:

A música [...] está por demais aquém do mundo e do designável, para figurar outra coisa a não ser épuras 4 do Ser, seu fluxo e seu refluxo, seu crescimento, suas explosões, seus turbilhões. (Os Pensadores, 1975, p.276). Por outro lado, [...] profundidade, cor, forma, linha, movimento, contorno, fisionomia são ramos do Ser, e cada um deles pode reproduzir toda a ramagem [...]. (p.300)

Então, o que podemos dizer da música? Que ela não é, está sendo, e isso vai contra praticamente tudo o que a filosofia ocidental pensou, já que, nesta, Heráclito e seu rio foram esquecidos e Parmênides e seu Ser, enaltecidos. Essa afirmação, “está sendo”, está contra, principalmente, às expectativas de um ateniense que, frustrado pela derrota da sua pátria perante Esparta, tentou consolar a seus concidadãos, dizendo:

“Vos arrasaram? Não vos preocupeis; o que vedes são somente sombras produzidas por uma Luz que está Além. Sofrei, mas consolai-vos: a Verdade está um pouco mais longe, como uma cenoura atrás do burro [ops, não era uma cenoura o que estava atrás, era uma lâmpada] [Versão livre do mito da caverna]” 5.

Aquiles Patroclo
Figura 1
Aquiles enfaixa o braço de Pátroclo
Cálice ático de figuras vermelhas do Pintor de Sósias.
Data: c. -500
Berlim, Staatliche Museen Antikensammlung

Só que estar sendo não é específico da música e vale para tudo, porque não é demais perguntar: o que acontecerá com os quadros de Cézanne de aqui a 25 séculos? Suas cores, suas linhas, permanecerão como hoje? E que pensarão sobre eles nossos descendentes? O mesmo que nós pensamos sobre a pintura grega de 2500 anos atrás?: “bonitinha, não é mesmo?”

Platão, em definitiva, nos deslumbrou com sua luz e acabou nos condenando às sombras que pretendia dissipar. É contra esse conformismo que o filósofo americano John Dewey se rebelou, já em 1909, dizendo:

As concepções que reinaram durante dois mil anos na filosofia da natureza e do conhecimento, até se converterem na mobília habitual da mente [ou seja, o impensado], descansavam no suposto da superioridade do que é fixo e final, e em considerar a mudança e o originado como sinais de defeituoso e de não real. (2000, p.49)

Assim sendo, Ocidente, perseguindo a quimera do eterno, perdeu a dimensão do tempo, que, desde Heráclito, foi representado pela água que flui, sempre diferente, mas sempre constante.

E a China, como pensou a música?

Um dos Seis Livros Clássicos, atribuídos a Confúcio e fundamentais para a cultura desse país, é o Yue Ji, o Livro da Música. Nele podemos ler:

Os antigos reis instituíram os ritos para dar um curso correto às vontades [do povo], a música para harmonizar suas vozes, as leis para unificar suas condutas e os castigos para evitar as ações incorretas. O objetivo ao qual conduzem os ritos, a música, as leis e os castigos são um: o bom governo para todo o povo. [...] Quando os ritos, a música, as leis e os castigos funcionam regularmente e sem confrontos o dao 6 do governante se completa. (Tr.auct.) 7

Devemos lembrar que, na China, bom governo era equiparado ao funcionamento equilibrado de todos os fenômenos e não considerado somente um assunto de índole política. Tampouco devemos interpretar o texto anterior sob um ponto de vista estético já que:

Os antigos reis, ao instituir os ritos e a música, não procuravam que eles satisfizessem os apetites dos ouvidos e dos olhos; sua intenção era ensinar ao povo a regular seus gostos e desgostos e devolvê-los ao curso normal da humanidade [ao seu dao].

Assim, a música possui um significado primordial e quase-ontológico já que:

A música representa a harmonia entre o céu e a terra; os ritos representam a ordem do céu e da terra. Dessa harmonia se originam as transformações de todos os processos; dessa ordem se originam as diferenças entre todos os processos. A música se origina no céu; os ritos usam as limitações da terra.

Ou seja, a música é uma analogia da harmonia que subjaz nas constantes transformações pelas quais os processos que formam a realidade com que lidamos interagem entre si e se transformam ao longo do tempo.

Por outro lado, na China o grande paradigma fundador não foi o Fixo e Eterno, mas foi a água a encarregada de representar o grande modelo de todas as coisas. O Dao De Jing (Tao Te Ching) de Laozi, diz:

“O bem supremo é como a água, beneficia a todos os processos mas não compete com eles, habita onde os homens abominam mas, por isso, está próxima ao Dao [o grande processo que agrupa todos os processos] (cap. VIII). Uma imagem do Dao no mundo: o arroio indo para o rio e o mar (cap. XXII). Sob o céu, nada mais suave e mole do que a água, nada a supera no combate ao rígido e forte porque nada pode modificá-la. A fraqueza vence a força, a suavidade vence a dureza” (cap. LXXVIII)

Assim, a característica fluida e flexível da água, tanto no espaço quanto no tempo, se converte no modelo do mundo. Por isso, a tradução mais apropriada de Dao (Tao), o grande processo total, é o “curso total das coisas”.

No pensamento chinês o mundo não está formado por ‘coisas’ (com substância, essência, eternidade), ele se manifesta em ‘processos’ (que se caracterizam por mutabilidade, transitoriedade, duração). O Dao De Jing diz (cap. XVII):

“O dao se manifesta no que há
O que há se manifesta em polaridades
As polaridades se manifestam em processos
Os processos se manifestam em formas múltiplas
As formas se estabilizam pela interação dinâmica dessas polaridades”

Nessa visão, podemos afirmar que a estabilidade das coisas é um estado temporário e aparente, porque, inevitavelmente, elas continuarão sua evolução através do processo natural de geração, maturação, decadência e extinção.

Resumindo, na China a música não é algo dedicado ao prazer, ela influencia nos sentimentos dos homens e, a través deles, nas suas ações, que, pela sua vez, produzem mudanças concretas no mundo externo. Ou seja, após ouvir a Nona de Beethoven não somos mais os mesmos, e, não sendo os mesmos, influenciaremos o mundo ao nosso redor de forma diferente do que teríamos feito caso não ter ouvido a sinfonia. Estamos assim inseridos no poder primordial e transformador da música; o processo que chamamos ‘música’ interagiu com o processo que chamamos ‘eu’ e o modificou, e, através dele, modificou todos os outros processos com os quais estou interagindo 8. É claro, o poder transformador da música não é-em-si. Uma pedra não é capaz de reagir a ela 9, é necessário o fenômeno humano para ser o veículo intermediário desse poder, mas isso nada mais é do que um exemplo da permanente interação entre os fenômenos.

Os chineses veriam no paroxismo sonoro-visual-emocional da Nona a ação harmônica de 200 indivíduos consolidando um equilíbrio, tal como o fazem o Céu e a Terra ao produzirem a totalidade dos fenômenos.

Mas, assim como para a Nona, que não existe, acontece, que não tem uma essência por ser um processo, isso vale para tudo o que forma este Universo 10, o resto é conversa conformista (universais versus particulares, essência versus aparência, verdade versus opinião, etc.), já que, se as coisas fossem eternamente, não haveria mudança possível e nós não teríamos responsabilidade sobre coisíssima nenhuma. Alguém lembra de Osiris? Pois bem, houve épocas nas quais o mundo se explicava a partir do seu renascimento do reino dos mortos e pessoas atingiam o êxtase ao participar dos seus ritos. Foi com isso em mente que o filósofo Richard Rorty se perguntava em inúmeras oportunidades: “como podemos saber qual será o efeito de nossos discursos em uma audiência futura, se não sabemos o que não sabemos?”. É triste pensar que aquilo que tanto valorizamos possa algum dia perder esse valor, ou pior ainda, ser tratado com escárnio ou zombaria, mas assim são as coisas. A alternativa é a soberba de imaginar que atingimos o pináculo do desenvolvimento e que 13 bilhões de anos de idade do Universo só se justificam por terem produzido estes bípedes que habitam no terceiro planeta do Sol (uma dos bilhões de estrelas da Via Láctea, pela sua vez uma dos bilhões de galáxias do Universo conhecido 11) e que, em toda a história futura desse Universo, nada mais de importante acontecerá. Bravata patética só justificável pelo nosso medo de encarar a realidade da nossa insignificância!!

Montanhas e bosques ao entardecer
Figura 2
Montanhas e bosques ao entardecer
Kuncan (1612-1673)
The Metropolitan Museum of Art

Na China, repetimos, o homem é visto como mais um processo inserido no grande Processo, o Dao. Por isso, a arte chinesa representa ao homem e a suas obras em tamanhos muito pequenos em relação à paisagem de fundo (observar, na Figura 2, o homem carregando um peso na parte inferior, e os pavilhões no terço inferior da pintura). A pesar de sermos um processo dentro de outros, essa visão coloca uma responsabilidade pessoal no rumo que as coisas tomarão e, em lugar de ficar aguardando passivamente o cumprimento do meu destino, recebo um chamado à ação para me inserir mais adequadamente nesse grande Processo total.

Mas, que características tem esse processo que chamamos ‘eu’? Zhuangzi (369? a.c., 286? a.c.) se pergunta:

As cem articulações, as nove aberturas, os seis órgãos, se agrupam e existem aqui [no meu corpo]. Com qual delas devo me sentir mais próximo? Devo favorecer a todas elas? Mas, deveria haver uma à qual favorecer mais, porque, caso contrário, será que todas são servas? Mas, se todas são servas, como mantêm uma ordem entre elas? Ou será que se alternam na função de regente e servo? Pareceria que deveria haver um verdadeiro regente entre elas, [mas não podemos achá-lo com facilidade. Só percebemos que] há reações e emoções e não formas, [ou seja, há reações aos processos externos, mas não formas concretas e constantes]

As reações e emoções são percebidas no nosso coração-mente (um único órgão para os chineses), candidato óbvio ao cargo de regente, mas existem outros órgãos que influem nas nossas escolhas de conduta: os olhos, o estômago, as gônadas, etc. Então, com qual deles devo me identificar? Continua Zhuangzi dizendo: “Qual deles deve nos governar?” “A mente, que muda e envelhece” como qualquer outro órgão? Estamos vivos, num processo de constante decaimento e, por mais que a mente pretenda nos governar com sua razão, ela mesma “está submetida a esse deterioro paulatino”. Como poderia ser nosso guia final? A partir de que momento deveríamos aceitar que ela deixou de nos guiar eficientemente? É necessário um diagnóstico formal de arteriosclerose para isso? A ‘terceira idade’ tem um momento certo para começar? Zhuangzi enfatiza: “Os tontos e imbecis também têm mentes que os guiam”, então, será que eles estão corretos? Portanto, é evidente que a própria mente segue regras que se lhe impõem; ela também tem algum “regente” que a governa.

Devemos destacar que regente não pode receber uma leitura ocidental e deduzir que Zhuangzi postula algo transcendente (Divindade? Razão? Destino? História?) que nos controla; o que ele não consegue encontrar é que alguma das partes que formam o processo que chamo ‘eu’ assuma uma função de controle permanente sobre as outras, já que ‘meu’ corpo é um fenômeno composto por múltiplas partes dinamicamente interligadas. Aliás, numa linguagem mais moderna, e descendo ao nível bioquímico, ele é um complexo de atividades químicas interagindo entre si, atividades que, pelo que sabemos até agora, são guiadas por: 1) os códigos registrados no ‘meu’ DNA, que coordenam a produção das proteínas que estão na base de todas essas atividades 12; 2) a influência de fatores externos (alimentação, meio ambiente, vínculos sociais) e 3) a presença no ‘meu’ corpo de bactérias, vírus, etc., organismos que não posso, a rigor, chamar de partes minhas, mas sem alguns dos quais nem poderia viver (a flora intestinal, por exemplo) 13. Então, o que posso dizer da maçã que vou comer amanhã? E o que dizer do rio que recolheu a maçã que comi ontem? Quando posso dizer que são ou deixaram de ser partes do meu ‘eu’? só quando ocupam o mesmo volume físico? Quando nasci pesava 3,5 kg e agora 80 kg: esses 76,5 kg vieram de onde? estavam “destinados” a mim ou se incorporaram como parte de um processo em andamento? Onde e quando ‘eu’ começo e onde e quando ‘eu’ acabo? O cabelo que acabo de cortar: não é o mesmo de que ‘eu’ cuidei com tanto esmero? Quando estou depressivo, é meu espírito que está atormentado ou é o nível de serotonina no meu sangue que está baixo? E, nessa situação, o que é melhor fazer: rezar ou praticar exercícios físicos? Quando era criança não tinha conhecimentos nem crenças espirituais. Agora, anos depois, já passei por várias crenças e adquiri e rejeitei muitos conhecimentos. Com quais dessas crenças e conhecimentos devo identificar agora meu espírito? Com as últimas? Com as mais fortes? Com as próximas? Será que meu caminho pela frente se esgotou porque o aprendizado acabou e não vou incorporar nada novo? Ou será que devo aceitar que meu espírito (seja isso o que for), também, não é, está sendo?

Todos os mencionados são fenômenos individuais que seguem suas próprias regras, sem que ‘eu’ interfira nelas; neste complexo de partes integradas que chamo ‘eu’, existe alguma que deva preferir sobre outra? Em resumo, tenho uma essência que me define ou sou um processo de múltiplas partes interligadas que fogem ao ‘meu’ controle? Então, de nada me serve perguntar O QUE SOU?, a pergunta certa é: O QUE FAZER COM ISSO?

Em resumo, no Ocidente as coisas SÃO, na China ESTÃO SENDO 14.

OVELHAS NÃO SÃO PLANTAS

Pastor guiando o rebanho
Figura 3
Pastor guiando o rebanho

Só o Pastor sabe nos guiar
Figura 4
Só o Pastor sabe nos guiar

O grande paradigma ocidental é o pastoril (hebreus, árabes e gregos foram povos pastores nômades). Nesse modelo, as ovelhas são consideradas incapazes de se virarem sozinhas, requerendo a guia permanente de um pastor que as cuide, que as conduza a lugares onde possam se alimentar, que saiba o que é bom e o que é ruim para elas e que, eventualmente, utilize a força bruta dos cachorros para enquadrar às ovelhas negras do rebanho.

Por outro lado, o pastor é quem avança na frente do rebanho porque seu cajado é o único que pode indicar o caminho certo e suas motivações ficam por sempre fora do alcance da pequena compreensão ovina, inclusive se as escolhe para vítimas de algum sacrifício propiciatório, substitutivo ou simplesmente probatório (vide Abrão, Jó, etc.). Assim, as ovelhas, como todos os fenômenos, seguem princípios que transcendem sua natureza física e estão, portanto, acima das idéias e conhecimentos ordinários ... das ovelhas.

Seja o povo hebreu escolhido, o rebanho cristão do Bom Pastor ou o a Hummah islâmica, o paradigma é o mesmo: só o Divino que nos transcende é capaz de assumir a responsabilidade por nossas vidas e, como indivíduos, só estamos capacitados para seguir as ordens e orientações dos textos sagrados, únicos habilitados a responder nossas dúvidas e questionamentos. Isso gera uma dependência com relação ao Pastor da qual não conseguimos, nem devemos, nos afastar e uma ênfase na fé como meio de acesso à harmonia com o todo.

Claro que essas afirmações têm uma certa conotação retórica, mas a realidade não foge muito disso, a pesar dos intentos, feitos por mais de um filósofo de peso, de salvar a idéia da liberdade e do livre arbítrio para os seres humanos com argumentos que, infelizmente, não convenceram a todos os outros filósofos.

Jardineiro outonal
Figura 5
Jardineiro outonal

O Jardineiro Suicida
Figura 6
O Jardineiro Suicida

Por outro lado, o grande paradigma chinês é o agrícola (China foi sempre um povo fundamentalmente camponês e sedentário). As plantas crescem sozinhas, cada uma seguindo os princípios próprios da sua espécie no que concerne a tempo de maturação, tamanho alcançado, temperatura e tipo de solo mais apropriado, independente da vontade e objetivos do jardineiro. Elas, assim como todos os fenômenos, seguem princípios imanentes, ou seja, que estão inseparavelmente contidos ou implicados neles mesmos.

A função do jardineiro não é fazer crescer, mas facilitar as condições para que os processos sigam cada um seu próprio caminho (seu próprio dao). Mengzi (Mêncio) critica com ironia a um jardineiro que, para que suas plantas alcancem maior tamanho, estica seus galhos, provocando assim sua morte. O jardineiro deve adubar o solo, respeitar as épocas de semear e de colher, retirar as ervas daninhas, e, sobretudo, ter paciência para esperar que os processos se desenvolvam conforme suas características particulares.

Neste paradigma a ação do jardineiro só depende da sua compreensão do funcionamento dos processos que o rodeiam e com os que ele deseja se harmonizar, a fim de obter, da forma mais eficiente, os objetivos que ele possa ter se estabelecido ... uma vez que tenha compreendido que ele também nada mais é do que um processo integrante do Grande Processo.

À primeira vista, pode parecer que algo tão chinês quanto os bonsais 15 desmente o dito anteriormente sobre a função do jardineiro, já que existe neles uma alteração aparente da função natural das plantas, mas o jardineiro só os consegue cultivar tendo bem claras as limitações de suas ações com relação às plantas, contentando-se com alterar as condições nas quais as plantas se desenvolvem ... e deixar que elas se autolimitem ao vaso menor.

No paradigma chinês, a responsabilidade do resultado de nossas ações recai total e exclusivamente em nós mesmos, sem que possamos nos eximir dela apelando a forças transcendentes. Isso conduz a uma ênfase na compreensão dos fenômenos do mundo a fim de nos harmonizarmos com eles.

Em resumo, no Ocidente somos ovelhas, na China jardineiros.

RELIGIÃO DO DIVINO VS RELIGIÃO DO MISTERIOSO

Quem criou o Universo? Deus, é claro. Mas, quem criou Deus? Ocidente, profundamente religioso, não consegue responder e se satisfaz com o mistério.

Quem criou o Universo? China, também profundamente religiosa, não consegue responder e se satisfaz com o mistério.

Nos dois casos o homem pára de pensar, encontra um limite. No Ocidente, nos colocamos nas mãos d’Ele e a religião tem a função de iluminar nossa relação com o mistério ‘Deus’. Na China são donos da sua vida e a religião tem a função de os ajudar a se integrar harmonicamente com o mistério ‘Universo’. No primeiro caso, a liberdade do homem deve ser justificada e defendida e o livre arbítrio fundamentado já que elas não são óbvias quando confrontadas com o poder divino; no segundo, essa liberdade é absoluta, auto-evidente e fonte da responsabilidade individual. No Ocidente há pecados, na China há erros. No Ocidente há castigos pela desobediência, na China há conseqüências pelas ações erradas. Resultado: no Ocidente vamos aos templos a pedir, na China vão aos templos a oferecer.

Uma religião sem um deus é menos valiosa? Lembremos que a palavra religião deriva de religare. Entanto no Ocidente nos re-ligamos com o divino, na China se re-ligam com o universo. Em ambas situações, reconhecemos que nosso papel é minúsculo com relação àquilo com o que nos re-ligamos.

As duas culturas reconhecem a cadeia de causas e efeitos, só que no Ocidente enfatizamos as causas porque queremos saber como é que chegamos até aqui (olhamos para trás), entanto na China enfatizam os efeitos porque querem saber quais serão os resultados das suas ações (olham para frente). Assim, no Ocidente nos remontamos a uma Causa Primeira e consideramos que o presente é o resultado de um passado cujo sentido se revela por ter chegado até este presente, visto como o fim que explica o passado (p.ex., numa leitura errada das idéias de Darwin, a evolução teve como objetivo chegar até o homem). Na China, no entanto, consideram o futuro como evolução da situação presente, sendo que essa evolução será o resultado da interação de inúmeros processos e, portanto, não está determinada nem garantida 16. No Ocidente o passado teve como destino o presente, na China o futuro se abre de forma imprevisível a partir do presente 17.

Resumindo, para Ocidente o Universo foi criado para chegar ao que agora é; somos o fim, o objetivo e a culminação dessa criação e, portanto, donos dela. Dominados por essa soberba, não percebemos que, pensando assim, todo o que fizemos foram “contas de chegar”, sejam para fins que consideramos óbvios e não questionamos, quanto para valores que elegemos como superiores sem considerar que a experiência não dá mostras da sua existência real (faz quanto tempo que defendemos que o homem é bom, para sermos constantemente contraditos pela realidade!). Para a China o Universo é um grande processo constantemente em evolução, sem um objetivo determinado e avançando de forma tal que maximiza a harmonia entre suas partes. Orientados por essa humildade percebem que são lances nesse processo, momentos intermediários entre dois mistérios, entre um passado e um futuro. 18

A soberba ocidental nos leva a pretender conhecer a Deus, a humildade chinesa os leva a aceitar o mistério do Universo. No Ocidente o homem se eleva para experimentar o sagrado numa comunhão com o divino. Na China o Imperador desce para oferecer sacrifícios, colocando-se em comunhão com a Natureza para produzir boas colheitas.

Como já foi mencionado, o caminho entre a China e Ocidente tinha que atravessar antigamente as estepes da Ásia Central, o que praticamente eliminou a comunicação e inseminação mútua. Mas, isso está mudando aos poucos porque, além da tecnologia estar facilitando os contatos, uma nova rota foi aberta e o continente americano é a ponte entre essas duas culturas. Por exemplo, e retomando nossa discussão sobre como considerar a causalidade, John Dewey, citando a James, define o pragmatismo como sendo a posição filosófica representada pela atitude de

[...] afastar a vista das coisas primeiras, os princípios, as categorias, as pretensas necessidades, e olhar na direção das coisas últimas, os frutos, as conseqüências, os fatos.” (Dewey, 2000:81)

afirmação que seria perfeitamente compreensível para um filósofo chinês do período clássico. Assim, a filosofia americana está iniciando um processo de síntese no qual James, Dewey e Rorty entoam uma fuga a várias vozes junto com Confúcio, Mêncio, Laozi e Zhuangzi.

“CONHECER SOBRE” VS “SABER COMO”

No Ocidente partimos de uma base para nós óbvia: somos ‘sujeitos’ que observamos ‘objetos’ dos quais estamos separados de forma fundamental e definitiva, até porque nos ensinaram que o logos foi algo que precedeu à criação. Dissociamos assim um mundo ‘espiritual, mental, racional’, caracterizado pelo discurso, de um mundo ‘material’, caracterizado pela ação e os objetos, e denominamos ‘conhecimento’ àquilo que estabelece uma ponte entre eles. Desta forma, já que definimos ‘conhecer’ como ‘saber sobre (algo)’, confundimos sabedoria com acúmulo de informações. Como conseqüência, valorizamos a teoria e desdenhamos a prática, já que a primeira trata daquilo que consideramos como mais nobre, porque antecedeu ao mundo manifesto, entanto a segunda nada mais é do que mexer com o mundo dos objetos, ficando contaminados por eles.

Para complicar mais as coisas, além disso temos que lidar com a emoção, que é uma espécie de prima pobre da razão porque, a pesar de ‘mental’, é originada pela interação com o mundo dos objetos. Isso nos leva a valorizar o intelecto e desprezar os sentidos, a preferir o racional quando comparado com o emocional. Em resumo, o homem é visto como dividido em dois e, portanto, um pouco esquizóide já que separamos o pensamento da ação, criando um conflito permanente para integrar esses dois aspectos da nossa vida: a pureza do pensar com o desprezo pelas paixões e pela prática. O discurso, que antecede à ação, como o pensamento de Deus antecedeu à sua ação criadora, é considerado como uma recomendação das ações a serem efetuadas, só que, ancorado como está no campo do mental, não tem eficiência para guiar nossas condutas, afetadas pela ação do emocional e do material.

Essa dicotomia não existe na China, porque consideram que pensar e sentir acontecem num único órgão do homem, o 心 xïn, que só pode ser traduzido por coração-mente, já que agrupa o que para nós é separado de forma intrínseca. O fenômeno ‘eu’ interage com os outros fenômenos e seu coração-mente reage com 情 qíng, emoções, que nada mais são do que o resultado dessa interação e, portanto, capazes de carregar informações sobre os outros fenômenos.

O sábio observa essas emoções, deduz a partir delas algumas das características dos fenômenos com os quais está se relacionando e, considerando suas tendências pessoais, define o discurso que vai guiar sua ação. Esse discurso, que não pode se separar da ação empreendida, constitui seu 道 dào pessoal e terá sucesso ou será considerado moralmente válido se tende a se harmonizar com o discurso que descreve o funcionamento do processo total, o Dào (o ‘D’ maiúsculo só diferencia os dois níveis de discurso, mas não estabelece uma diferença fundamental entre eles já que os dois se referem a fatos).

A ação, resultado de interação entre o homem e suas circunstâncias, é o fato fundamental já que o discurso é meramente descritivo. Noutras palavras, o discurso que guia a conduta não pode ser separado da ação concreta que implementa essa conduta, de onde sabedoria é equivalente a ‘saber fazer’. Dessa forma, o peculiar do pensamento chinês é que esse saber fazer não deve ser atrapalhado pelo racional, ou seja, não deve ser pensado, deve ser intuitivo. O ideal de sabedoria se aproxima muito mais a saber amarrar os cadarços dos sapatos do que a formular uma teoria sobre o andamento do Universo. Assim, o sábio chinês se integra com os fenômenos com os quais tem que interagir, em lugar de se distanciar para observá-los friamente como faria um ocidental. Não pode haver ‘objetividade’ numa visão de mundo onde tudo se relaciona com tudo e tudo afeta o todo, formado uma continuidade.

Essa prioridade da ação com relação ao discurso não é exclusiva dos sábios chineses: um músico, executando seu instrumento, não pensa no que está fazendo, se deixa levar pelas suas emoções e intuições; um trapezista não pensa no que está fazendo, se deixa levar pelo automatismo de anos de prática ... mas todos eles executam a perfeição suas atividades, além de, caso necessário, serem capazes de emitir discursos sofisticadíssimos sobre suas ações. Goethe disse (citado por Yolanda Ruano, in Salas, 2005, p.62):

Como podemos nos conhecer a nós mesmos? Nunca através da contemplação, mas através da ação. Tenta cumprir com teu dever e imediatamente saberás que é o que há em ti. Mas, qual é teu dever? As exigências de cada dia.

O mundo foi criado em seis dias”: esse modelo impulsiona a Ocidente, como uma cenoura na frente do burro, para uma ação constante visando objetivos que achamos serem claros. “O mundo está em constante transformação”: esse modelo faz que a China deixe que as coisas sigam seus caminhos próprios; isso não significa inação, já que eles podem modificar as condições para obter, mais ou menos, o que almejam; o que significa é que o intelecto não assume o controle dos atos, eles se efetuam sem pensar. Como se consegue? Com uma longa prática...

DEMOCRACIA, O QUE É MESMO DEMOCRACIA?

A democracia (Governo do Povo) foi inventada numa cidade onde só os ricos e donos de escravos eram cidadãos e podiam opinar e foi institucionalizada num país onde os líderes eram ricos e donos de escravos e podiam votar. Hoje, quando alguém que não teve um voto sequer pode ser senador ou quem teve 0,24% do total votos pode ser Presidente do Congresso e colocar o país na berlinda durante quase um ano, será que avançamos alguma coisa?

Enchemos a boca com as “vantagens” da democracia, mas estudos modernos, utilizando técnicas de mapeamento cerebral, mostram que os eleitores agem mais em função da amígdala cerebral (que processa nossas emoções, principalmente o medo) do que com o córtex (que processa nossa razão) (Newsweek, 24/12/2007, p. 14). Assim, o medo nos empurra a uma ação imediata orientada à nossa própria sobrevivência e se sobrepõe a qualquer racionalização, que, como já disse Hume, é lenta demais para ser eficiente. Em resumo, agimos mais pela emoção do que pela razão, malgrado os esforços dos filósofos para nos convencer do contrário, mas um fato que é muito bem aproveitado pelos estrategistas das campanhas eleitorais. 19

E como são as coisas na China? Novamente Ocidente se coloca no papel condescendente próprio da Europa do séc. XIX com relação ao bom selvagem, e julgamos se tratar de uma tirania insuportável e indefensável. Para entender melhor os fundamentos do sistema político chinês podemos nos remontar a Mengzi (Mêncio, 370 a.C- 289 a.C.), que disse:

[...] o príncipe não deve se afastar de seu povo mas ‘compartilhar’ com ele; em lugar de viver às expensas dos outros, fazer comuns as riquezas; em lugar de procurar o prazer próprio, ‘se comprazer com as alegrias de seu povo, bem como se preocupar com seus problemas’ [e, em reciprocidade, o povo não deixará de tomar parte na sua felicidade e nas suas penas]

Suas opiniões continuam a serem aplicáveis ao momento atual e com elas podemos formular os seguintes comentários (em negrito as palavras de Mêncio)

O fundamento do poder do príncipe é o Céu” (que, novamente, não é Deus, mas a ordem natural à qual todas as coisas seguem). O Céu forma uma dualidade com a “Terra”, que é onde as coisas se materializam, e, portanto, “o campo de ação do príncipe”.

Como o Céu é a autoridade final, o príncipe, dentre outras coisas, não nomeia seu sucessor, ele só propõe seu candidato para que o Céu o aceite. Mas, como o Céu “não fala”, seu consentimento se traduz, nos fatos, pela aprovação do povo. Se quem é considerado herdeiro preside os sacrifícios e eles são favoravelmente acolhidos; se ele conduz os assuntos e o povo encontra a paz, é indicação que o Céu o designou efetivamente (porque todas as coisas funcionam harmonicamente). Mas, destaca, “o Céu vê a partir do que meu povo vê – o Céu ouve a partir do que meu povo ouve”. Isso significa que o Céu, grande integrador de todos os processos inter-relacionados, inclui e é fortemente influenciado pela opinião do povo com relação aos seus governantes. Assim, o Primeiro Ministro Zhu Rongji (1998-2003) disse [sublinhados meus]:

“Devemos praticar a democracia e, corajosamente, conduzir aos novos órgãos de liderança aqueles que sejam publicamente reconhecidos pela população pela sua persistência e suas realizações políticas no processo de execução da reforma e da abertura.”

Assim, hoje o consenso se dá através de assembléias populares que escolhem delegados para o nível imediatamente superior: de bairro e sindicatos, de cidade, de província e, finalmente, federais. Como complemento, e essencial que os governantes chineses se apresentem humildes e simples para não se distanciarem do povo.

Em resumo, se as coisas “funcionam bem” é porque os governantes merecem governar e, se as coisas “não funcionam bem”, hoje como ontem, é indicação que o Céu retirou seu mandato para que o líder governe, e sua troca é justificada. 20

Depois de essa rápida olhada ao sistema chinês podemos retornar ao nosso e nos perguntar:

Churchill disse: “A democracia não é perfeita mas até hoje ninguém inventou nada melhor”. Será mesmo? Ela só parece funcionar em poucos países do mundo, tipo Inglaterra ou Suíça. E no resto?

Reeleger a Maluf, Jader Barbalho et al, é democracia ou hipocrisia?

O Renan foi eleito por 253.000 pessoas no seu estado das Alagoas: qual sua autoridade para enfiar o Brasil todo na bagunça na qual nos colocou?

E o Bush, que mentiu abertamente a um país que, além de inventar a democracia moderna, se supõe aprecia a sinceridade e rejeita a hipocrisia 21? Porque continua presidente se o povo americano está contra ele?

Os conchavos da cúpula chinesa, são muito diferentes dos que existem no Congresso de qualquer democracia?

Votar a cada 4 ou 5 anos, influenciados por campanhas políticas organizadas por profissionais, é suficiente para dizer que participamos nos destinos dos nossos países?

A OAB está pedindo instituir o recall dos políticos, ou seja cancelar o mandato de eleitos se sua atuação não satisfaz ao povo. Isso não é uma institucionalização do consenso?

Voltando à China de hoje e resumindo sua organização política:

Os chineses foram sempre um povo muito numeroso e, portanto, são conscientes da necessidade de existir restrições à sua liberdade. Como ouvi de um chinês: “Se todos os 1,3 bilhões de pessoas fizessem o que quisessem o país seria uma bagunça

RESUMO DOS DOIS PARADIGMAS

Existem outros conceitos não pensados nas duas culturas que poderiam se iluminar mutuamente mas estaríamos nos estendendo. A tabela a seguir menciona alguns deles, assim como serve como resumo do tratado neste artigo.

PARADIGMA OCIDENTAL SIMPLIFICADO PARADIGMA CHINÊS SIMPLIFICADO
Pastores nômades
O pastor deve GUIAR às ovelhas, que não saberiam sobreviver sem ele, ficando NA FRENTE, indicando o objetivo
Camponeses sedentários
O camponês deve AJUDAR às plantas, que crescem sozinhas, ficando NA RETAGUARDA, amparando às retardatárias
Estamos lançados num mundo externo a nós, criado pela vontade de outrem, e onde temos um papel especial Estão lançados num mundo que evolui sozinho seguindo suas próprias leis, e do qual só são, mal e porcamente, uma das partes
O herói, divino ou em contato direto com a divindade e falando no seu nome, sofre por nós para nos salvar O herói, um homem como eles, aprende por si só e lhes ensina como viver equilibradamente
A redenção se dá fora deste mundo, através da intervenção de um agente externo a nós A libertação se dá neste mundo, só precisam de um modelo a seguir
Nossos sofrimentos são provas que devemos superar para mostrar que somos dignos dessa salvação Seus sofrimentos são resultado da sua ignorância
Recebemos instruções externas sobre como agir para nos salvar da dor Devem aprender internamente como agir para se libertar da dor
Sofremos porque não somos capazes de implementar o bem e cedemos ao mal Sofrem porque não conseguem se integrar com o andamento do todo
Para resolver os desequilíbrios internos devemos olhar fora de nós Para resolver os desequilíbrios externos devem olhar dentro de eles
Devemos ENTENDER o mundo no qual estamos inseridos
Pensar tem valor EXPLICATIVO
Devem se HARMONIZAR com o mundo no qual estão inseridos
Pensar tem valor TERAPÊUTICO
Devemos acreditar. Valoramos a FÉ Devem atuar. Valoram o SABER FAZER
Lei de causa e efeito ocidental:
“Todo efeito tem uma causa”
- utilizada para justificar Deus
- há um objetivo-fim-modelo ao qual tudo tende
Lei de causa e efeito chinesa:
“Toda causa tem conseqüências"
- utilizada para regular a conduta
- só podem falar das condições necessárias para tentar alcançar algo
Focalizados nas causas, prezamos a eficácia: “virtude ou poder de (uma causa) produzir determinado efeito” Focalizados nas conseqüências, prezam a eficiência: “virtude ou característica de (uma pessoa, um maquinismo, uma técnica, um empreendimento etc.) conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou de dispêndio de energia, tempo, dinheiro ou meios”
Quem fez o mundo? Deus!
Quem fez a Deus? Sozinho, é claro! Ele é!
Nos detemos ante o divino
Quem fez o mundo? Sozinho, é claro! Ele é!
Detêm-se ante o misterioso
A religião antecede à filosofia, que a explica A filosofia antecede à religião, que a deturpa
Exaltamos a TRANSCENDÊNCIA
Somos IDEALISTAS
Exaltam a IMANÊNCIA
São PRAGMÁTICOS

CONCLUSÕES

A China nos ensina que tudo é fluxo e refluxo, sábio é quem os reconhece e se adapta às características do momento presente.

Aproveitemo-nos do “OUTRO” para melhorar o “NOSSO”, já que somente olhando do ponto de vista do “OUTRO” poderemos ver com maior objetividade o COMO somos, o nosso jeito de ser, já que o olhar de “DENTRO” é parcial, confuso e autocomplacente.

Temos que ter muito cuidado com os fundamentos do nosso pensar. Isso nos permitirá diminuir as armadilhas decorrentes de não avaliá-los adequadamente e aceitá-los sem críticas.

Temos que estar abertos ao novo e ao diferente, únicas fontes refrescantes na nossa marcha de um mistério na direção de outro mistério.

[Próxima página]

Bibliografia

CHAN, ALAN K.L.; TWO VISIONS OF THE WAY, A study of the wang pi and the ho-shang kung commentaries on the Lao-Tzu; State University of New York press, 1991

CHAN, WING-TSIT; A SOURCE BOOK IN CHINESE PHILOSOPHY; Princeton University Press; 1973

CHU HSI (ZHU XI); INTRODUCTION TO THE STUDY OF THE CLASSIC OF CHANGE (I xue qi meng); ADLER, Joseph A., TRANS.; Global Scholarly Publications, 2002

CHUANG TZU; ESCRITOS BÁSICOS, Segundo a versão inglesa de Burton Watson; Editora Cultrix, São Paulo, 1964

WATSON, BURTON; THE COMPLETE WORKS OF CHUANG TZU; Columbia University Press, New York, 1968 (A de Watson é considerada a melhor tradução do Zhuangzi para línguas ocidentais.)

COUVREUR, F.S., S.J.; DICTIONNAIRE CLASSIQUE DE LA LANGUE CHINOISE; Kuangchi press, 1993

DEWEY, JOHN; RECONSTRUCTION IN PHILOSOPHY; Beacon Press, Boston, 1957

DEWEY, JOHN; EXPERIENCE AND NATURE; Dover Publications Inc., Mineola, N.Y., 1958

DEWEY, JOHN; LA MISERIA DE LA EPISTEMOLOGIA; Ed. Biblioteca Nova, Madrid, 2000

FULLER, MICHAEL A.; AN INTRODUCTION TO LITERARY CHINESE; Harvard University Press, 1999

FUNG YU-LAN; A HISTORY OF CHINESE PHILOSOPHY, TWO VOLUMES; Princeton University Press; 1973

GRANET, MARCEL; O PENSAMENTO CHINÊS; Editora Contraponto, Rio de Janeiro, 1997

HALL, DAVID L. AND AMES, ROGER T.; ANTICIPATING CHINA, Thinking through the narratives of chinese and western culture; State University of New York Press, Albany, New York, 1995

HALL, DAVID L. AND AMES, ROGER T.; THINKING FROM THE HAN, Self, truth and transcendence in chinese and western culture; State University of New York, 1998

AMES, ROGER T. AND HALL, DAVID L.; DAO DE JING, A philosophical translation; Ballantine Books, New York, 2003 (RECOMENDADOS. Todas as obras destes autores apresentam comparações e contrastes entre os pensamentos chinês e ocidental.)

HANSEN, CHAD; A DAOIST THEORY OF CHINESE THOUGHT, A philosophical interpretation; Oxford University Press, New York, 1992 (ALTAMENTE RECOMENDADO. Excelente discussão sobre todas as escolas principais do período clássico chinês.)

HENRICKS, ROBERT G.; LAO-TZU TE-TAO CHING, A new translation based on the recently discovered ma-wang-tui texts, Ballantine Books, New York, 1989

JULLIEN, FRANÇOIS; FIGURAS DA IMANÊNCIA, Para uma leitura filosófica do I Ching, o clássico da mutação; Editora 34, São Paulo, 1997

JULLIEN, FRANÇOIS; THE PROPENSITY OF THINGS, Towards a history of efficacy in China; Zone Books, New York, 1995

JULLIEN, FRANÇOIS; FUNDAR LA MORAL Diálogo de Mencio con un filósofo de la ilustración; Taurus, Madrid, 1997

JULLIEN, FRANÇOIS; TRATADO DA EFICÁCIA; Editora 34, São Paulo, 1998

JULLIEN, FRANÇOIS; NUTRIR LA VIDA MÁS ALLÁ DE LA FELICIDAD; Katz, Buenos Aires, 2007 (RECOMENDADOS. Todas as obras deste autor são excelentes discussões sobre aspectos do pensamento chinês, com a vantagem adicional de muitas delas estarem editadas em português.)

JUNG, CARL G.; SYNCHRONICITY An acausal connecting principle; Princeton University Press, 1973

KARCHER, STEPHEN; TA CHUAN, The Great Treatise; St. Martin’s Press, New York, 2000

KIDDER SMITH ET AL; SUNG DYNASTY USES OF THE I CHING; Princeton University Press, 1990

KJELLBERG, PAUL AND IVANHOE, PHILIP, ORGS.; ESSAYS ON SKEPTICISM, RELATIVISM AND ETHICS IN THE ZHUANGZI; State University of New York Press, Albany, NY, 1996

LYNN, RICHARD JOHN; TAO-TE CHING The classic of the way and virtue, as interpreted by Wang Bi; Columbia University Press, New York, 1999

MATHEWS’; CHINESE-ENGLISH DICTIONARY; Harvard University Press, 1996

MERTON, THOMAS; A VIA DE CHUANG TZU; Editora Vozes, Petrópolis, 1989

PULLEYBLANK, EDWIN G.; OUTLINE OF CLASSICAL CHINESE GRAMMAR; University of British Columbia, Vancouver, 1995

RORTY, RICHARD; CONTINGENCIA, IRONÍA Y SALIDARIDAD; Paidós Ibérica, Barcelona, 1991

RORTY, RICHARD; A FILOSOFIA E O ESPELHO DA NATUREZA; Dumará, Rio de Janeiro, 1995

RORTY, RICHARD; OBJETIVIDAD, RELATIVISMO Y VERDAD; Paidós Ibérica, Barcelona, 1996

RORTY, RICHARD; CONSECUENCIAS DEL PRAGMATISMO; Tecnos, Madrid, 1996

RORTY, RICHARD; EL PRAGMATISMO, UNA VERSIÓN Antiautoritarismo en epistemología y ética, Editorial Ariel, Barcelona, 2000

SALAS, JAIME DE E MARTÍN, FÉLIX; APROXIMAÇÕES A LA OBRA DE WILLIAM JAMES, La formulación del pragmatismo; Biblioteca Nueva, Madrid, 2005

SHANKMAN, STEVEN AND DURRANT, STEPHEN W., EDITORS; EARLY CHINA/ANCIENT GREECE, Thinking through comparations; State University of New York Press, Albany, 2002

SHAUGHNESSY, EDWARD L.; I CHING The classic of changes, the first english translation of the newly discovered second-century B.C. Mawangdui texts; Ballantine Books, New York, 1997

SHCHUTSKII, IULIAN K.; RESEARCHES ON THE I CHING; Princeton University Press, 1979

SPROVIERO, MÁRIO BRUNO; ESCRITOS DO CURSO E SUA VIRTUDE (Tao Te Ching); Editora Mandruva, São Paulo, 1997 (RECOMENDADO. Uma tradução muito poética do DAO DE JING direto do chinês ao português desse professor da USP)

WANG BI; THE CLASSIC OF CHANGES, I CHING; LYNN, Richard John, trans.; Columbia University Press, New York, 1994

WIEGER, DR. L., S.J.; CHINESE CHARACTERS, Their origin, etymology, history, classification and signification; Paragon Book Reprint Corp., New York, 1965 (RECOMENDADO. Imprescindível para quem deseja se envolver com o chinês escrito, principalmente nos textos clássicos.)

WILHELM, RICHARD; I CHING, O livro das mutações; Pensamento, 1983 (RECOMENDADO. A melhor versão do Yi Jing em línguas ocidentais. Seus comentários refletem adequadamente o pensamento chinês, a pesar de algúm escorregão de vies cristão devido a Wilhelm ter sido missionário na China.)

NOTAS

  1. Artigo publicado na Revista de Ciências Humanas do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC: Volume 41, Números 1 e 2, Abril e Outubro de 2007.
  2. Justificaremos este ponto mais adiante neste trabalho.
  3. Por isso a Comunidade Européia o adotou como seu hino.
  4. ‘Épura’, representação num plano de uma figura tridimensional
  5. A Merleau Ponty só lhe faltou dizer ‘sombras do Ser’ em lugar de ‘épuras do Ser’ para se instalar de vez na caverna platônica.
  6. Lembramos que dào é a transliteração atual da palavra tao ‘discurso que guia efetivamente a conduta’ ou ‘discurso que descreve o comportamento efetivo de cada processo em todas suas nuanças’.
  7. Todos os textos chineses apresentados neste trabalho são traduções deste autor de diversas fontes chinesas.
  8. A relação de causa-efeito não precisa ficar bem determinada. Por exemplo: choro ao ouvir a sinfonia e essa emoção afeta a uma pessoa totalmente desconhecida que testemunha o fato; sensibilizada por isso, acaba sendo estimulada a reatar uma relação amorosa que estava terminando. Como se diz na meteorologia: “o bater das asas de uma borboleta no Pacífico Sul acaba provocando uma tormenta no Atlântico Norte”.
  9. A pesar que, dependendo da intensidade do som e de sua freqüência, a música poderia destruir a pedra.
  10. O Universo nada mais é do que uma dança imensa de partículas subatômicas interagindo entre si e da qual ignoramos muito mais do que sabemos.
  11. Universo que, conforme a teoria física das cordas, nada mais é que um de um número infinito de Universos. Parece puro esoterismo, mas essa teoria está firmemente sustentada por essa outra coqueluche da filosofia ocidental: as matemáticas, considerada o fundamento final da ciência e da lógica. Um pequeno contratempo: a manifestação dessas cordas no mundo real é algo que está sendo extremamente difícil de verificar, a pesar do grande número de físicos dedicados à sua procura. Como disse Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia pensa.”
  12. Proteínas formadas por átomos que se originaram no interior de estrelas e que foram espalhados pelo Universo quando elas explodiram, formando gases que se concentraram no que agora é o Sol e seus planetas até formar o que chamo ‘meu’ corpo ... e que serão novamente espalhados quando o Sol explodir.
  13. Sergio Danilo Pena, Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais escreve (UOL, 10/08/2007): “Nós, humanos, iniciamos nossa vida na concepção com uma única célula, o zigoto, produzido pela união de um óvulo e um espermatozóide. Através de um processo maravilhoso de multiplicação e diferenciação celular, esse zigoto dá origem a 10 trilhões de células de mais de uma centena de tipos variados no adulto. [... Mas] o corpo humano na verdade contém 100 trilhões de células, e não meros 10 trilhões. O que acontece é que 90% das células do nosso corpo são microrganismos que vivem simbioticamente em nosso intestino, estômago, boca, nariz, garganta, aparelho respiratório e sistema geniturinário. As bactérias que constituem essa microbiota derivam seus nutrientes de nós, mas pagam pela hospedagem se encarregando de várias tarefas essenciais para nossa saúde, incluindo a proteção contra patógenos e a conversão metabólica de nutrientes. Não quero induzir os leitores a uma crise de identidade, mas nosso corpo é de fato mais microbiano do que humano. Ele constitui um verdadeiro sistema ecológico com grande biodiversidade, um superorganismo. A visão do corpo humano como um superorganismo pode nos permitir ver saúde e doença em termos de equilíbrio ou desequilíbrio ecológico. Sabemos que os microrganismos sintetizam vitaminas essenciais para o nosso metabolismo e possibilitam a digestão de alguns nutrientes. Não temos, por exemplo, a maquinaria química necessária para quebrar totalmente a celulose das plantas em seus constituintes elementares, mas as bactérias nos fornecem enzimas chaves deste processo, como a celobiase. Além disso, a nossa microbiota ocupa nichos ecológicos no nosso corpo que poderiam ser colonizados por patógenos.”
  14. Observar que essa frase não é fácil de expressar em grego ou alemão, únicas línguas na qual se poderia filosofar, conforme o pouco humilde Heidegger, nem em inglês ou francês, línguas nas quais se faz muita filosofia. Só o espanhol e o português dispõem do verbo ESTAR, o que facilita (ou deveria facilitar) a compreensão filosófica dos processos e evita a extrema dependência do verbo SER (to be, être, einai, zu, etc.), que, nessas línguas significa, de forma emaranhada, tanto ‘ser’ quanto ‘estar’ e ‘existir’. O mais próximo, seria a forma inglesa “I am being”, literalmente “sou sendo”. Por oportuno, devemos lembrar que a língua chinesa não possui o verbo SER, para ela as coisas ESTÃO ou EXISTEM.
  15. Sim, os chineses inventaram os bonsais, posteriormente adotados e popularizados em Ocidente pelos japoneses.
  16. Será que um asteróide está em rota de colisão com a Terra e nos atingirá no século XXII, como já aconteceu diversas vezes no passado? Improvável mas não impossível. E que acontecerá, nesse caso, com a nossa orgulhosa civilização? Obviamente, em lugar de pedir ao Criador que não destrua sua Criação devemos dedicar nossas energias a um sistema de detecção e desvio de asteróides (que, na realidade, já está funcionando de forma incipiente)
  17. Isso vale apesar de que um dos livros fundamentais da China é o Yi Jing (I Ching ou Zhou Yi) que, de alguma forma permite prognosticar a evolução mais provável dos fenômenos, o que em Ocidente chamaríamos de ‘oráculo’. Mas, como e porque funciona já é outra história, como diria Kipling.
  18. Devemos destacar que Ocidente, quando descobre a ecologia, está acordando a essa relação complexa entre todos os processos, presente no pensamento chinês desde seus primórdios.
  19. Na história recente do Brasil esse fato foi muito bem utilizado por Collor contra Lula, ao colocar publicamente a existência de uma filha ilegítima deste último e ao utilizar o medo ao caos social que o seqüestro de Abílio Diniz podia instalar no país.
  20. Não devemos esquecer que até o semidivino Mao Zedong (Mao Tse Tung) foi afastado quando as coisas começaram a desabar sob seu governo.
  21. Lembremos que Nixon teve que renunciar por ter mentido sobre Watergate e Clinton quase foi destituído por ter mentido sobre suas relações com Mônica Lewinsky. E as armas iraquianas de destruição em massa de Bush, onde estão?