O Yi Jing é um modelo
- Yi Jing Orienta
- Yi Jing: Uma ferramenta para o autoconhecimento
- Fundamentação teórica
- O Yi Jing é um modelo
CONTEÚDO DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
História do Yi Jing
- China: de tartarugas a bibliotecas
- Escolas tradicionais de interpretação
- Ocidente: da curiosidade ao interesse
Por que funciona o Yi Jing?
- Sobre discursos e palavras
- Natureza: Céu e Terra, 天 tian, 地 di
- Processos interligados: 萬 物 wàn wù, 物 化 wù huá
- Energia: 氣 qì, 陰 yïn, 揚 yáng
- Tudo muda
- Curso e Potencial: 道 dào, 德 de (Tao Te)
- Imagens e sementes: 象 xiang, 精 jïng
- Autêntico e espúrio: 情 qíng, 偽 wèi
- Causalidade ou casualidade?
- O hexagrama, um conceito unificador
- O Yi Jing é um modelo
O Yi Jing é um modelo
O Xì Cí, que é o comentário canônico mais ‘filosófico’, diz sobre o Yi Jing no seu parágrafo A.II.6:
O sábio,
quando está em repouso contempla suas imagens e examina seus Julgamentos; quando se movimenta contempla suas mudanças e examina seus prognósticos.
Dessa forma ele recebe a ajuda do Céu: [tudo] é benéfico e conveniente.
Vemos que o livro se oferece a si mesmo para um duplo uso: primeiro, em épocas de tranquilidade o sábio o utiliza como uma fonte de sapiência, e, segundo, em épocas de ação o consulta como uma fonte de conselhos sobre a evolução dos seus atos; seguir esses conselhos só pode trazer-lhe benefícios. Devemos repetir que o Yi Jing se expressa por meio de imagens, tanto visuais quanto textuais; as primeiras se caracterizam pelas formas dos hexagramas, trigramas e linhas, e as segundas pelos diversos textos que o compõem que, portanto, não devem ser interpretados literalmente.
Aceitar o Yi Jing como fonte de sapiência é algo relativamente fácil após os primeiros contatos com seus textos e estrutura. Reconhecer nele a capacidade de aconselhar sobre o resultado das ações presentes são outros quinhentos, porque toda nossa formação racional se opõe a isso.
O Yi Jing não é um oráculo 1, já que, para acessar e compreender seus textos, não é necessário apelar a uma intervenção divina que fale através dele.
Pode o Yi Jing vaticinar 2? Não no sentido de predizer: “dizer antecipadamente o que vai suceder”. A interação entre todos os processos é tão complexa que faz disso uma tarefa impossível, como todo bom meteorologista sabe. Além disso, o Yi Jing repousa fortemente sobre o livre arbítrio do homem e na aceitação de que todos os processos têm uma considerável componente aleatória.
Para esclarecer a função do livro existem outros dois conceitos que podem ser-nos de ajuda: prognóstico e diagnóstico 3.
Pode o livro prognosticar? A palavra ‘prognóstico’ pode ser utilizada com o sentido de presságio ou profecia, mas isso já foi descartado no caso que nos ocupa. Todavia, e muito mais importante, essa palavra refere-se também a “uma conjetura sobre o desenvolvimento de alguma coisa”, estando essa conjetura baseada num diagnóstico prévio. É exatamente assim que podemos entender o funcionamento do livro quando se nos oferece como uma ferramenta que pode nos orientar nos momentos de dúvidas. Ele diagnostica o presente (sustentado pela continuidade existente entre todos os processos) e, baseado nisso, faz um prognóstico sobre o que poderia acontecer se certas condições fossem cumpridas. O livro é como uma carta náutica que mapeia as possíveis rotas alternativas que se originam a partir de um porto, cada uma delas conduzindo a lugares diferentes. É decisão do piloto escolher e seguir uma delas. Ele faz a escolha considerando o destino final de cada rota, os acidentes de percurso que será necessário enfrentar e até a confiança que ele mesmo tem sobre suas habilidades como navegador para enfrentar os ventos inesperados que poderão aparecer na rota escolhida.
Noutras palavras, o Yi Jing não pretende adivinhar o futuro. O livro se apresenta como sendo um modelo 4 capaz de elucidar as tendências existentes num determinado momento para um determinado conjunto de processos. Esclarecidas as tendências, ao homem resta seu livre arbítrio, seja para acompanhá-las do jeito que se apresentam, seja para influir nelas modificando as circunstâncias que afetam esses processos. Como já dissemos antes, consultar o Yi Jing equivale a um exercício de “associação livre freudiana”, identificando “variações sobre um tema” proposto ao consulente pelo próprio livro.
Podemos dizer que os sábios chineses analisaram suas experiências de vida, abstraíram delas seus elementos essenciais, criaram um modelo que relacionava essas abstrações de uma forma coerente e passaram a aplicar esse modelo a todo tipo de novas experiências que, por sua vez, confirmaram a solidez do modelo. Esse processo, repetido e aperfeiçoado ao longo de trinta séculos, acabou se concretizando no livro que agora podemos consultar 5.
Claro, como diz o físico Marcelo Gleiser (Folha de São Paulo, 22/04/2012):
“Modelos nunca podem ser perfeitos ou incluir todos os efeitos, ou não seriam modelos. Todo modelo tem limitações, precisamente por não sabermos tudo o que é necessário para descrever a situação de forma completa. Um modelo eficiente, entretanto, reproduz os dados de forma satisfatória. Isso funciona porque vários fatores são irrelevantes ou causam apenas pequenas perturbações. Modelos são a forma de lidar com nosso conhecimento limitado do mundo natural.”
É por isso que o Yi Jing nos oferece uma aproximação à realidade com a qual interagimos, aproximação que depende da acuidade do consulente e de sua familiaridade com o livro.
Prognosticar a partir de um diagnóstico é algo esperado de um livro sapiencial, mas, será que realmente o Yi Jing pode diagnosticar? Para responder esta pergunta devemos voltar a considerar a afirmação “tudo é contínuo”.
Façamos um aparente desvio do assunto em pauta e avaliemos a seguinte declaração:
“Há uma relação direta entre a quantidade de salmão no Estreito de Bering e o diâmetro das árvores nos bosques da Colúmbia Britânica, a mais de 4000 km de distância.”
Esta afirmação teria parecido, poucos anos atrás, absurda ou, no mínimo, suspeita, e teria sido considerada como um caso do tipo “a” (vide capítulo “Causalidade ou casualidade”): teríamos dito que isso é uma casualidade, algo fortuito, acidental, e que não há relação possível entre esses fatos.
Só que: os salmões retornam para desovar na cabeceira dos mesmos rios nos quais nasceram; os ursos se alimentam desses salmões; quando os salmões são muitos os ursos preferem comer somente o cérebro e as ovas, descartando o resto; outros animais, lobos, roedores, pássaros, aproveitam esses restos espalhados pelo chão; nas sobras ainda esparramadas, moscas se alimentam e fazem sua própria desova; as larvas dessas moscas se nutrem dos restos já podres; assim, todo traço de carne some e só restam os ossos. Tanto ursos quanto lobos, roedores, pássaros e moscas, defecam e seus restos espalham-se pela floresta; as árvores absorvem esse rico material e o transformam em sua própria substância. Como sabemos que tudo isso está relacionado? Porque a carne dos salmões tem uma particular proporção de isótopos de nitrogênio e essa proporção aparece mais notoriamente nos anéis das árvores quanto maiores sejam esses anéis. Isso indica um maior crescimento anual da planta, resultado direto da maior alimentação que recebera como resultado distante, por sua vez, do maior número de salmões no mar 6.
Pronto, agora temos uma explicação e a afirmação suspeita transformou-se em ciência. Ficamos contentes porque cunhamos uma nova palavra, “ecossistema”, que representa essa complexa inter-relação, só que isso não modifica o fato de esta relação já se manifestar antes mesmo que os esclarecidos e enciclopédicos europeus chegassem a América e que seus descendentes elaborassem as sofisticadas teorias que conseguem unir, num único processo, os diferentes fenômenos mencionados. A diferença entre esse antes e esse depois reside somente no fato de que agora possuímos uma explicação que nos persuade, mas os fatos em si já se apresentavam emparelhados antes dessa, agora, convincente explicação. Podemos perceber que estamos perante uma das fraquezas tradicionais do Ocidente: só somos persuadidos por uma explicação fundamentada na ideia de conhecimento ser “algo que se sabe sobre algo” e nos custa aceitar que o conhecimento pode também derivar-se do contato direto com esse algo, sem uma mediação lógico-intelectual. Paradoxalmente, a ciência, uma criação ocidental, nos oferece, com sua ênfase na experimentação, uma porta de saída a essa limitação: só a experiência é o que valida uma teoria, não a força ou beleza de suas operações intelectuais.
O problema é que, quando dois fenômenos se nos apresentam aparentemente vinculados um ao outro e não conhecemos efetivamente a regra que define essa vinculação, a escolha pela opção “b” (qual seja: ser francamente honestos, dizer que somos incapazes de determinar a lei que os vincula e aceitar a relação aparente entre os fatos) deixa espaço para muitas afirmações gratuitas, crendices, dogmas e superstições.

Outra forma de avaliar processos complexos é recorrendo às figuras chamadas fractais. À esquerda vemos a chamada curva de von Koch, construída acrescentando novos triângulos em cada um dos lados dos triângulos já desenhados. A figura vai ficando cada vez mais complexa, mas sempre estará formada pelo mesmo padrão. Assim, se observamos com uma lupa a figura complexa na parte inferior da ilustração veremos a mesma disposição de triângulos presente nas figuras superiores. Esta propriedade aparece na formação dos cristais de neve e muitos outros fenômenos da natureza. Resultado, um processo que parece muito complexo revela-se ser constituído por partes muito mais simples. Numa analogia muito superficial podemos dizer que o Yi Jing é como uma lupa que nos permite ver uma fração minúscula de um conjunto de fenômenos, representados pela consulta, e deduzir daí propriedades do processo que os abrange, coisa que é perfeitamente possível fazer com qualquer curva fractal.
Toda a discussão anterior remete a um problema fundamental: será capaz o homem de compreender algum dia todos os fenômenos que se lhe apresentam ou há limites para essa compreensão? Ou, seguindo mais uma vez o filósofo americano Richard Rorty, devemos nos perguntar: Como sabemos o que não sabemos? Como sabemos o que se saberá? Como, e quando, saberemos que já teremos chegado a saber tudo? Se não nos abrirmos ao que não sabemos nunca poderemos saber mais. Confirmamos que isso realmente é assim olhando com atenção uma ciência racional como a Física, na qual cada resposta achada gera um sem-número de novas perguntas, evocando a imagem de um cachorro perseguindo indefinidamente seu próprio rabo.
Como sair dessa armadilha? O único caminho possível é aquele que jaz nos próprios fundamentos da ciência: a experiência. Devemos observar, sem preconceitos, a vinculação entre os fatos; prescindir, ainda que temporariamente, de uma explicação; e aceitar, como está implícito na língua chinesa, que esses fatos estão emparelhados por causas ainda desconhecidas, mas que isso não deve impedir-nos aceitar a ligação entre eles.
O problema dessa atitude é como conseguir posicionar-se harmonicamente entre uma posição holística 7, que pode ser geral demais, e uma analítica, que pode ser detalhada demais. Bem, isso nos lembra do ditado: “quem procura ver as árvores não vê o bosque”. Exige, de parte de quem observa os fenômenos, uma acuidade equilibrada, que sempre foi chamada de “sabedoria”, e que só é obtida através do desenvolvimento pessoal e da superação paulatina de um grande número de erros.
O Dao De Jing, cap. XVI, nos diz:
Estenda o vazio até o extremo, mantenha uma tranquila concentração.
Todos os processos estão ativos ao mesmo tempo e podemos vê-los reverter.
Os processos florescem copiosamente e cada um reverte convergindo para suas raízes.
Convergir para suas raízes significa tranquilidade; tranquilidade significa retornar ao seu quinhão; retornar ao seu quinhão significa perdurar; saber perdurar significa acuidade. Não saber perdurar é inadequado e, ao mesmo tempo, prejudicial.
Sabendo perdurar abraça tudo; abraçando tudo é imparcial; sendo imparcial é completo, sendo completo é celestial; sendo celestial é [como] o dào; sendo [como] o dào é duradouro e, excedendo o corpóreo, não periga.
O sábio, esvaziando-se de preconceitos, desenvolve sua acuidade ao ser capaz de aceitar todos os processos, sem preferir uns a outros. Ele deixa que as tendências individuais e imanentes desses processos, seus dào, tomem conta deles e se manifestem livremente. Ele permite, com tranquilidade, que cada um desses processos retorne ao seu quinhão, à parte que, natural e espontaneamente, lhe corresponde dentro do todo. Retornar ao seu quinhão significa agir conforme a somatória das tendências que podemos chamar de “autênticas”, próprias de cada fenômeno, e daquelas outras que podemos chamar “espúrias”, que se originam da simples interação com os outros processos (vide cap. “Autêntico e espúrio”). Assim, todos os processos, incluindo o próprio sábio, estendem-se pelo máximo tempo possível já que não devem gastar energias adicionais num atrito desnecessário com os outros.
Então, para saber se o Yi Jing é capaz ou não de diagnosticar a situação presente, devemos utilizá-lo e chegar a uma opinião própria. Trinta séculos contínuos de cultura chinesa afirmam que sim, o livro tem essa capacidade. Quatro séculos de tradição racional ocidental nos dizem que um livro não pode fazer isso. Optar por uma ou outra posição exige um envolvimento pessoal sem preconceitos, experimentando consultas e respostas para verificar se efetivamente estão relacionadas, ainda que não possamos dizer o porquê.
O Xi Ci B.VIII descreve a função do Yi Jing nas seguintes palavras (na tradução de Karcher, 2000, pág.142):
O Yi é um livro que você não pode afastar.
Seu dao está sempre alterando-se:
Transformação e movimento, nunca descansando, fluem através das seis posições vazias.
Subindo e descendo, nunca fixos, o firme e o maleável transformam-se um no outro.
Não há regras que o delimitem porque segue somente às mudanças.
Entra e sai ritmicamente, ensina cautela no interior e no exterior e mostra claramente as causas de ansiedade e calamidade.
Não atua como um mestre ou um guardião, mas como se fossem teus pais aproximando-se.
Primeiro segue as palavras e medita sobre seus significados, então, subitamente, o dao [a forma de agir] aparecerá.
Mas, se você não está disposto a fazer isso, o dao não se abrirá para você.
Complementando, o Yi Jing, no Julgamento do hexagrama 4, “Superando ignorância”, diz, referindo-se a si mesmo:
Ao superar a ignorância exerce-se influência.
Não sou eu quem procura o jovem ignorante, o jovem ignorante me procura.
À primeira consulta respondo; se faz duas ou três fica molesto; molestando, não respondo.
Tendo isso em conta, é conveniente insistir.
Como vemos, os textos citados enfatizam a atitude sincera com que o leitor deve aproximar-se do livro. Será que isso, inevitavelmente, requer uma dose de crendice?
Uma das críticas frequentes feitas ao Yi Jing no Ocidente é que seus textos são “abertos” demais e que, portanto, podem aplicar-se a qualquer coisa e justificar qualquer conclusão. Só que nessa crítica há um profundo erro de avaliação, já que isso é exatamente o que os textos pretendem, já que não interessa o que eles dizem, o que interessa é o que eles evocam no leitor. Só prestando atenção ao efeito emocional e à associação de ideias que o texto produz no consulente é que o livro atinge o resultado pretendido. Por isso, o Yi Jing não apela a um ato de compreensão intelectual: em seu lugar ele exige uma abertura ampla por parte do leitor, a fim de trazer à tona o que estava escondido à sua percepção..., apesar de já fazer parte das suas circunstâncias vitais.
Com relação à advertência do Yi Jing sobre a repetição das consultas, manifestada no Julgamento do Hexagrama 4, ela se prende a dois fatos: primeiro, se a mesma consulta for repetida, indica que o consulente não prestou adequada atenção à resposta e não esgotou os significados que ela lhe disponibilizava; e, segundo, após obter a primeira resposta o momento mudou porque o consulente dispõe de uma informação que não possuía antes e, tenha compreendido ou não a resposta, ela passou a fazer parte de suas circunstâncias, o que implica que uma nova consulta deverá ser, agora, diferente. Por isso essa advertência acontece num hexagrama chamado “Superando ignorância”, onde o Yi Jing se coloca à disposição de quem o procura, mas sem coagir ninguém a aceitá-lo. Mais uma vez é o homem que detém o poder, e o risco, do livre arbítrio.
Recopilando o dito até agora podemos argumentar que:
- O Yi Jing é um modelo que reflete a, e se conforma com, esta imensa variabilidade de processos que compõem a realidade na qual estamos imersos e da qual fazemos parte. Como não há NADA que não seja um processo interagindo com todos os outros, não podemos adotar um ponto de vista teórico, ‘objetivo’, de fora, que nos permita avaliá-los. Assim, o Yi Jing substitui os esquemas “teórico-argumentativos” próprios do Ocidente pela “manipulação de um modelo” que nos permite sustentar o conhecimento e a sabedoria, ou, nas palavras de François Jullien (2001, págs.121-123):
“a diferença entre eles [Ocidente e China] se dá pela oposição entre um pensar das essências e um pensar dos processos; [... entre] a exigência de uma definição e um pensamento teórico [... e a disponibilidade de] um dispositivo a manipular e um pensamento estratégico”. 8
- Tudo, absolutamente tudo, é contínuo e todos os processos fazem parte dessa continuidade, interagindo mutuamente (incluindo “eu” que consulto, as “minhas circunstâncias” que me impõem uma situação que me preocupa, e o “Yi Jing”, que fornece imagens e textos para esclarecer essa interação). Assim, consultar o Yi Jing é um processo que, interagindo com todos os outros, nos fornece informações sobre eles.
- Já que tudo é contínuo, o Yi Jing pode salientar a relação existente no momento atual entre “eu” e minhas “circunstâncias”, diagnosticando suas características pela sincronicidade entre suas “imagens” e essas circunstâncias.
- Se tudo é contínuo, a semente de uma mudança nas minhas circunstâncias provoca, em “mim”, intermediado pelo uso do modelo, a semente de uma emoção que eu posso detectar.
- Sendo um livro sapiencial, sustentado e alimentado por trinta séculos de experiências humanas, ele pode, partindo do diagnóstico, fazer um prognóstico da evolução provável da situação.
Por último, podemos apropriar-nos das eloquentes palavras com que Jung (in Wilhelm, 1986, pág.26) fecha seu prefácio ao livro:
“[...] Mais não se pode esperar de uma simples introdução. Se, através dessa demonstração, consegui elucidar a fenomenologia psicológica do I Ching, terei alcançado o meu propósito. Quanto aos milhares de perguntas, dúvidas e críticas que esse livro extraordinário suscita, não posso respondê-las. O I Ching não se apresenta com provas e resultados, não se vangloria de si, nem é de fácil abordagem. Como uma parte da natureza, espera até ser descoberto. Não oferece fatos, nem poder, porém para os amantes do autoconhecimento, da sabedoria – se estes existem – parece ser o livro indicado. Para alguns seu espírito parecerá claro como o dia; para outros, sombrio como o crepúsculo; e para outros ainda, obscuro como a noite. Aquele que não o aprecia, não precisa usá-lo e aquele que é contra, não é obrigado a considerá-lo verdadeiro. Que o deixem seguir para o mundo em benefício daqueles que sejam capazes de discernir seu significado.”
Assim, a experiência de quem se aproxima do Yi Jing de forma aberta e sem preconceitos verifica que ele se disponibiliza, efetivamente, nos dois níveis já mencionados: primeiro, como uma fonte de sabedoria que pouco a pouco se internaliza em quem o estuda e, segundo, assim como um bom médico se baseia num sólido diagnóstico para efetuar um prognóstico preciso sobre a evolução de uma doença, o livro mostra-se capaz de esclarecer a situação presente e seu andamento mais provável. Podemos observar também que isso acontece com maior intensidade quanto maior seja a exposição aos seus textos e estrutura. Para quem se detenha na pergunta “Por que consegue fazer isso?” não há resposta totalmente satisfatória. Para quem o aceite e se abra ao “Como faz?” se revela um mundo fascinante e profundo.
NOTAS
- ↑ Oráculo: “Resposta de um deus a quem o consultava; divindade que responde a consultas e orienta o crente; Fig.: palavra, sentença ou decisão inspirada, infalível, ou que tem grande autoridade; Fig.: pessoa cuja palavra ou conselho tem muito peso ou inspira absoluta confiança”.
- ↑ Vaticinar: “Profetizar, predizer, prognosticar, prever; prenunciar”. Profecia: “Predição do futuro feita por um profeta; oráculo, vaticínio, presságio; Fig.: hipótese, suposição, conjetura”.
- ↑ Prognóstico: [Do gr. prognostikón e prógnosis, 'conhecimento antecipado']: “Conjetura sobre o desenvolvimento de um negócio, de uma situação, etc.; predição, agouro, presságio, profecia; Med.: juízo médico, baseado no diagnóstico e nas possibilidades terapêuticas acerca da duração, evolução e termo de uma doença”. Diagnóstico [Do gr. diagnostikós.]: “Conhecimento ou determinação duma doença pelo(s) sintoma(s), sinal ou sinais e/ou mediante exames diversos (radiológicos, laboratoriais, etc.); o conjunto dos dados em que se baseia essa determinação”.
- ↑ Modelo: “Fis.: Esquema que possibilita a representação de um fenômeno ou conjunto de fenômenos físicos e eventualmente a previsão de novos fenômenos ou propriedades, tomando como base certo número de leis físicas, em geral obtidas ou testadas experimentalmente”.
- ↑ Para conseguir utilizar um martelo, será que nossos antepassados necessitavam conhecer as equações de massa, ação e reação, etc., fundamentais para saber por que um martelo funciona como martelo? Não, eles verificaram que a ferramenta funcionava de forma útil e adequada. Essa mesma chancela aplica-se ao Yi Jing: Ele funciona? Então, vamos usá-lo!
- ↑ “Salmon-derived nitrogen in terrestrial invertebrates from coniferous forests of the Pacific Northwest”; Morgan D. Hocking and Thomas E. Reimchen; Department of Biology, University of Victoria, PO Box 3020, Victoria, B.C. V8W 3NS, Canada; BMC Ecology 2002, 2:4 (published 19 March 2002).
- ↑ Holismo: “Filos. Tendência, que se supõe seja própria do Universo, a sintetizar unidades em totalidades organizadas; teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível, e que não pode ser explicado pelos seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados separadamente”.
- ↑ Estratégia: “Arte de aplicar com eficácia os recursos de que se dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que porventura se desfrute, visando ao alcance de determinados objetivos”.