H52 Controlando seus impulsos

  1. Yi Jing Orienta
  2. Yi Jing: Uma ferramenta para o autoconhecimento
  3. Hexagramas
  4. Hexagrama 52

TEXTOS GERAIS

NOME

艮 CONTROLANDO SEUS IMPULSOS 1

gèn, 138-00 W26L, formado por 匕 bi, ‘uma pessoa que vira repentinamente o corpo’ e 目 , ‘olho’; o conjunto indica ‘parar repentinamente para olhar desafiadoramente no olho de alguém’ e significa, de acordo a Wieger: “Perverso, obstinado; resistir”; Couvreur: “Teimoso, recusar a mover-se, permanecer imóvel, resistir, colocar obstáculos, limites; fechado, duro como uma pedra, inquebrantável, inflexível, difícil”; Muller: “Retornar, reverter; parar”. É uma palavra antiga que só é utilizada atualmente como nome do trigrama conhecido como “Montanha”. 2

Shaughnessy 3 destaca o contraste entre 艮 e 見 jiàn: “olhar, ver, observar”: o primeiro está formado por um olho e um homem virado para trás, enquanto o segundo está formado por um olho e um homem virado para frente. Olhar para trás traz a ideia de olhar na direção oposta à do movimento que, no caso deste hexagrama, pode ser interpretado como olhar para a quietude quando em movimento e para o movimento quando em quietude.

O manuscrito de Mawangdui traz o nome 根 gën, 075-06, formado por 木 , ‘árvore’ e 艮 gèn; o conjunto significa “Raiz, enraizar” e Shaughnessy o traduz como “Acalmando”. ‘Enraizar’ sugere procurar a raiz dos fenômenos, sejam eles decorrentes de uma ação ou de uma inação. Podemos também observar que uma raiz está quieta, mas a seiva corre por dentro.

A inclusão de “controlar” no nome escolhido está sustentada pela primeira frase da Explicação do Julgamento (vide), que aponta claramente a um autodomínio acorde às circunstâncias que devemos enfrentar.

PALAVRAS-CHAVE

CONTROLAR:
“Submeter a exame e vigilância estritos; fiscalizar, monitorar; exercer ação restritiva sobre; conter, regular; exercer poder, autoridade sobre (alguém ou algo); manter sob o próprio domínio; dominar; frear ou moderar os próprios impulsos; manter o autocontrole; dominar(-se), conter(-se)”.
Aquietar:
“Pôr(-se) ou tornar(-se) quieto; tranquilizar(-se), apaziguar(-se)”.
Acalmar:
“Tornar(-se) calmo, brando, sereno; fazer perder ou perder a intensidade; amansar(-se), amainar(-se), atenuar(-se); fazer cessar; pacificar”. Abrandar, adormecer, aliviar, amainar, apaziguar, aplacar, atenuar, conter, minorar, mitigar, moderar, pacificar, refrear, repousar, serenar, sofrear, sossegar, tranquilizar.
Reprimir:
Amordaçar, atar, cercear, coartar, coibir, deter, domar, dominar, frear, limitar, represar, restringir, reter, sujeitar.
Parar:
só nos sentidos de: “Interromper, momentânea ou definitivamente (uma atividade, uma operação, uma ocorrência, algo que se vinha fazendo etc.); interromper-se, momentânea ou definitivamente (algo que ocorria, se desenvolvia, se processava); não ter seguimento; chegar ao fim; não continuar”.
IMPULSO:
Ânimo, ânsia, apetência, apetite, arrebatamento, arroubo, capricho, cócegas, desejo, disposição, entusiasmo, exaltação, fervor, fogosidade, força, fúria, furor, gana, ímpeto, impulsão, interesse, prurido, rasgo, rompante, vontade.

OUTROS NOMES

JAVARY:
Estabilizar
Acalmar, A persistência
RICCI:
Estabilidade, momento onde se afirma a continuidade entre o repouso e o movimento
ZAFRA:
Acertando o movimento
JAVARY:
Estabilização
WING:
Meditação (Permanecer quieto)
REIFLER:
Permanecer quieto
DAMIAN-KNIGHT:
Manter-se Firme (A Montanha)
SHCHUTSKII:
Cadeia de montanhas/ Concentração
LOISI:
A montanha, aquietar-se
GALL:
A montanha
BLOFELD:
Desistência, Imobilidade
SIU:
Descansando
LEGGE:
Montanha (Freando o movimento)
DAMIAN-KNIGHT:
Aprender a relaxar (Imobilidade)
CHIH-HSU:
Montanha
WILHELM:
A quietude (Montanha)
LYNN:
Freio, Limitação
REVERSO:
H51 e H52
Agir decididamente, decidir-se ou Aquietar-se e relaxar-se

JULGAMENTO

(gèn)(gèn) () (bèi)() (huò) () (shēn)(háng) () (tíng)() (jiàn) () (rén)() (jiù)

Controlando seus impulsos: não é revirando-se para suas costas que se conquista a si mesmo, nem se movimentando no seu pátio que se é percebido pelos outros; nenhum erro. 4

PALAVRAS-CHAVE

REVIRAR:
“Virar novamente ou muitas vezes; virar pelo avesso; mexer (com fito de encontrar algo); mexer muitas vezes, revolver (alguma coisa); vasculhar; remexer(-se) [o corpo] repetidamente; agitar(-se); causar desequilíbrio, inquietude em; deixar (pessoa) em estado de perturbação emocional, moral etc.; alterar, modificar, mudar (algo já estabelecido); fazer voltar ou voltar em direção oposta à que se seguira; regressar, retornar; recair sobre; voltar-se, incidir; entrar em confronto com; acometer, revoltar-se, rebelar-se”.
CONQUISTAR:
Apoderar-se, apossar-se, apresar, aprisionar, assenhorear-se, avassalar, capturar, cativar, domar, dominar, expugnar, seduzir, subjugar, submeter, sujeitar, tomar, triunfar, vencer.
MOVER:
Revolver: Agitar, conturbar, mexer, misturar, mover, remexer, revoltar, voltar, voltear, volver. Estimular: Abalar, abanar, acalorar, acelerar, acender, acicatar, acirrar, acordar, agitar, aguçar, aguilhoar, alentar, alvoroçar, amotinar, animar, aquecer, arrastar, assanhar, atear, atiçar, ativar, avigorar, avivar, comover, compelir, concitar, desafiar, despertar, encorajar, entusiasmar, esquentar, exacerbar, excitar, exortar, fomentar, fortalecer, fortificar, impelir, impulsionar, incentivar, incitar, induzir, inflamar, instar, instigar, intensificar, provocar, puxar, reanimar, reavivar, reforçar, refrescar, renovar, robustecer, sacudir, tocar, tonificar, vigorizar, vivificar.
PERCEBER:
Avistar, descobrir, descortinar, distinguir, divisar, encontrar, enxergar, ver, vislumbrar.
NÃO ERRAR:
Ter acerto, atino, certeza, correção, exatidão, justeza, perfeição, precisão.

Fica explicitado no Julgamento um duplo significado para o nome do hexagrama. Este hexagrama não se refere apenas a uma detenção física, mas a um aquietar-se que transcende tanto o movimento quanto a sua supressão. Imobilizar o corpo não garante a quietude da mente nem a ação por si mesma garante um papel claro no mundo. O que se requer é uma quietude espiritual sossegada, serena e profunda, nem olhando para trás, para o que se passou, nem olhando para frente, para o que é necessário enfrentar; é necessário focalizar-se no presente, daí a analogia tradicional entre este hexagrama e a prática da meditação. Noutras palavras, para conseguir controlar-nos devemos manter um foco claro nas nossas circunstâncias.

É interessante destacar que, ao terminar com “não há erro”, o Julgamento parece dizer: qualquer intento de controlar os impulsos é melhor do que nada.

EXPLICAÇÃO DO JULGAMENTO

(gèn)(zhǐ) ()

(shí) (zhǐ) () (zhǐ)(shí) (háng) () (háng)(dòng) (jìng) () (shī) () (shí)() (dào) (guāng) (míng)

(gèn) () (zhǐ)(zhǐ) () (suǒ) ()(shàng) (xià) () (yìng)() (xiāng) () ()

(shì) () () (huò) () (shēn)(háng) () (tíng) () (jiàn) () (rén)() (jiù) ()

Controlar seus impulsos significa deter-se!

Parando na hora de parar, agindo na hora de agir, o movimento e a quietude não perdem seu momento e seu caminho é brilhante e esclarecido. 5

Controla-se ao deter-se porque se detém no seu lugar [correto]! Os de cima e de baixo se correspondem enfrentando-se e não se associam entre si! 6

Por isso “não se conquista a si mesmo, nem se movimentando no seu pátio é enxergado pelos outros; nenhum erro”!

O terceiro parágrafo refere-se à falta de correspondência entre as linhas do trigrama inferior e as do trigrama superior. Isto implica que, na hora de uma dificuldade ou enfrentamento, nada melhor do que controlar os impulsos em lugar de agir incentivando um confronto.

IMAGEM

(shān)(gèn)(jūn) () () () () (chū) () (wèi)

Montanhas juntas, controlando-se.

Assim, a pessoa sábia não deixa seus pensamentos irem além da sua situação presente. 7

Devemos evitar que o automatismo (vinculado ao passado) ou a ansiedade (vinculada ao futuro) nos impeçam uma correta avaliação do momento presente e da interação dos elementos que o compõem.

SEQUÊNCIA

() () () () (zhōng) (dòng)(zhǐ) (zhī)() (shòu) (zhī) () (gèn)(gèn) (zhě) (zhǐ) ()

As coisas não se podem mover incessantemente, elas devem deter-se, por isso agora vem controlando os impulsos. Aquele que controla seus impulsos, se detém!

HEXAGRAMAS MISTURADOS

(zhèn) () ()(gèn) (zhǐ) ()

Assustar-se por um abalo significa empreender! 8

Controlando seus impulsos significa deter-se!

DESCRIÇÃO DO MOMENTO

Quem é assustado por um abalo põe-se em movimento, mas esse movimento não pode durar eternamente, sendo necessário controlar os impulsos e parar para pensar. Mas aqui, impulso não deve ser interpretado literalmente como equivalente a movimento, já que muitas vezes ficamos parados, seguindo um impulso, quando o correto seria movimentar-nos. Noutras palavras, este hexagrama indica que a situação, esteja do jeito que estiver, vai parar: se em movimento, vai-se deter, se detida, vai-se movimentar. Isso, sem dúvida, permitirá um desenvolvimento gradual da situação.

Uma montanha dando as costas a outra montanha 9. Não temos aqui a simples detenção provocada por uma montanha, mas a detenção que está por trás dessa detenção e a transcende... conduzindo eventualmente à ação. Uma parada pode ser um obstáculo para atingir o sossego, da mesma forma que uma montanha pode ser um obstáculo para um avanço.

Assim, temos neste hexagrama a ação dando as costas à imobilidade e esta dando as costas à ação. São duas atitudes complementares que não podem ocorrer ao mesmo tempo nem devem cristalizar-se como normas permanentes de conduta. Aquietando nossa pessoa poderemos conciliar estas duas formas de atuação, identificando o momento certo para agir e o momento certo para deter-nos. Insistindo mais uma vez, este hexagrama fala de parar de mover-se e/ou parar de ficar parado. É fácil para o pensamento ocidental, com sua ênfase na ação, compreender que quando estamos parados em demasia devemos começar a movimentar-nos; o difícil é aceitar a atitude oposta, e o melhor exemplo disso é a nossa dificuldade em compreender a função da meditação: nossa mente está em constante e ininterrupta atividade e todas as práticas de meditação orientais estão dirigidas a parar essa atividade, dando espaço à mente para recuperar-se.

Temos aqui uma interrupção, uma parada com relação às circunstâncias que nos rodeiam, para assim aquietar-nos e sermos capazes de tomar as decisões corretas. Mas, para conseguir efetuar essa parada de forma efetiva é necessário ‘centrar-se em si mesmo’, recolher-se, ou seja, ir além de uma simples interrupção do movimento ou de uma ação determinada pelos outros. Por isso este hexagrama nos fala do ‘aqui e agora’ e está vinculado à meditação.

Dogen, o grande mestre Zen (citado no “O anel do caminho”, de Taisen Deschimaru) tem dito, referindo-se à necessidade de interromper um processo e vira-lo ao contrário (sublinhado meu):

“Deveis abandonar a prática fundada no conhecimento intelectual, correndo atrás das palavras e atendo-vos à letra. Deveis aprender a meia-volta que dirige vossa luz para o interior, para iluminar-vos a verdadeira natureza. O corpo e o espírito se apagarão por si mesmos e o vosso verdadeiro rosto aparecerá”.

O hexagrama nuclear é H40, Liberando tensões, indicando que uma vez alcançada a quietude e o sossego interior se produz uma liberação das ataduras impostas pelas circunstâncias externas.

O hexagrama antagônico é H58, Satisfazendo-se construtivamente. Vemos que num momento onde é necessário voltar-se para si mesmo, recolhendo-nos e sossegando nossa pessoa, não é possível ficar pensando nas satisfações que isso pode acarretar-nos ou que possam parecer-nos desejáveis.

O hexagrama oposto é H51, Assustado por um abalo, situação onde predomina o movimento. Vemos que quietude e movimento, parar e andar, são dois aspectos complementares de um mesmo fenômeno, um não existe sem o outro.

Os textos das linhas expressam diferentes formas de exercer o controle dos impulsos. Existe uma gradação tanto entre o trigrama inferior, que não se consegue controlar, e o superior, que se controla em diferentes graus, quanto entre as linhas, desde a 1ª linha, que faz de conta que se controla, até a 6ª, que efetivamente se sossega.

Como nenhuma linha tem relação de correspondência, elas se olham com desconfiança entre si.

  • H526 Controla-se colocando o foco na honestidade, usando de autodisciplina para alcançar o sossego espiritual.
  • H525 Controla-se colocando o foco na sabedoria e aquietando-se física e mentalmente, o que a leva ao seu desenvolvimento.
  • H524 Controla-se colocando o foco em si mesma, onde constrói um refúgio aquietando seu corpo.
  • H523 Não consegue se controlar porque seu foco está dividido e perde-se por querer atender a todo mundo.
  • H522 Não consegue se controlar porque coloca erradamente o foco no mundo externo.
  • H521 Faz de conta que se controla, mas continua movimentando-se por não conseguir se focar adequadamente na sua situação.

LINHAS

H521 => H221 Enfeitando com requinte

  1. (gèn) () (zhǐ)() (jiù)() (yǒng) (zhēn)

    Controlando os impulsos dos dedos do pé, nenhum erro, é conveniente uma demorada insistência. 10

  2. (gèn) () (zhǐ)(wèi) (shī) (zhèng) ()

    Controlando os impulsos dos dedos do pé ainda não perdeu a correção!

Yin em posição yang inicial, sem correspondências nem vizinhanças, esta linha tem pouca energia e, apesar das suas boas intenções, seus intentos de controlar-se nada mais são do que um enfeite (H22).

Ela não deveria agir por impulso ou com pressa, mas não se segura e, cedendo ao seu capricho, quer “abandonar a carruagem e caminhar” (H221), continuando o movimento (ou seja, sua atitude anterior). Contudo, sua imaturidade não constitui um erro... desde que retome a disciplina e a exerça duradouramente.

Esta linha quer controlar seus impulsos, mas, assim como o dedo do pé tem um impacto pequeno na marcha, o resultado de seus esforços é de pouca utilidade. Ela deveria refrear a vontade de andar, simbolizada pelo dedão do pé.

H522 => H182 Endireitando o deteriorado

  1. (gèn) () (féi)() (zhěng) () (suí)() (xīn) () (kuài)

    Controlando os impulsos da sua panturrilha nem salva seu companheiro nem seu coração fica satisfeito. 11

  2. () (zhěng) () (suí)(wèi) 退(tuì) (ting) ()

    Não salva seu companheiro porque ele ainda não recua para escutá-lo! 12

Yin em posição yin central, sem correspondência, mas em vizinhança com a impulsiva 3ª, esta linha tem pouca energia. Sua condição de central lhe outorga uma boa compreensão das necessidades do momento e até que gostaria de andar de forma elegante, carregando a 3ª linha como a panturrilha carrega o resto do corpo, porém sua flexibilidade, unida à falta de apoio, a colocam numa situação difícil que a angustia: ela não tem condição de dar suporte à 3ª, que não a escuta, por isso a 2ª detém-se deixando sua companheira sozinha. Isso cria um deterioro que posteriormente terá que ser consertado (H18), mas o correto é “não insistir” (H182) nesse suporte.

Esta linha sente-se em condições de seguir seus impulsos, mas tem que refreá-los para não correr o risco de tropeçar e provocar a queda de todo o corpo. Ela deve conter sua vontade de pular, simbolizada pela panturrilha, na direção da 3ª linha.

H523 => H233 Desgastando-se perigosamente

  1. (gèn) () (xiàn)(liè) () (yín)() (xūn) (xīn)

    Controlando o impulso a limitar-se, divide suas reverências, mas o rigor torra seu coração. 13

  2. (gèn) () (xiàn)(wēi) (xūn) (xīn) ()

    Controlando o impulso a limitar-se há perigo de torrar o coração!

Yang em posição yang, sem correspondência e com vizinhanças com a frustrada 2ª e a isolada 4ª, esta linha tem muita energia e sente-se obrigada a fazer alguma coisa, mas fica dividida entre a 2ª, que a exorta a parar, e a 4ª, que está viajando, ou seja, movendo-se. O efeito resultante é que ela se desgasta (H23), “perdendo as de cima e de baixo” (H233) e, assim, o controle da situação.

Apesar de esta linha ter energia, ela não sabe como utilizá-la, já que duvida em inclinar-se para a imobilidade ou para o movimento, o que acaba deixando-a amargurada.

H524 => H564 Viajando pelo exílio

  1. (gèn) () (shēn)() (jiù)

    Controlando os impulsos por si mesmo, nenhum erro. 14

  2. (gèn) () (shēn)(zhǐ) (zhū) (gōng) ()

    Controlar os impulsos por si mesmo significa parar no próprio corpo! 15

Yin em posição yin, sem correspondência e em vizinhança com a ativa 3ª, esta linha, apesar de fraca e de não receber ajuda da dividida 3ª, consegue acalmar as inquietações provenientes do seu corpo. Ela consegue virar-se sozinha, já que “repousa num abrigo conseguido com suas posses e ferramentas” (H564), quer dizer, constrói um refúgio para si mesma apesar de sentir-se um tanto forasteira no meio de suas circunstâncias. Noutras palavras, exila-se dentro de si mesma (H56).

Esta linha atinge assim um primeiro degrau de sossego porque, ainda que não chegue a aquietar sua mente, pelo menos aquieta seu corpo.

H525 => H535 Desenvolvendo-se gradualmente

  1. (gèn) () ()(yán) (yǒu) ()(huǐ) (wáng)

    Controlando os impulsos de ajudar, suas palavras se ordenam e o remorso desaparece. 16

  2. (gèn) () ()() (zhōng) (zhèng) ()

    Controla os impulsos de ajudar porque é central e correto!

Yin em posição yang central, sem correspondência e vizinha à sábia 6ª linha, esta linha fraca, porém flexível, enfrenta um conflito entre sua posição de soberano e suas poucas energias.

Ela percebe encontrar-se num processo de paulatino desenvolvimento (H53) e consegue, por sua condição de central, manter o equilíbrio tanto interno quanto externo, ou seja, no seu corpo e na sua fala, a qual reflete o aumento da calma nos seus processos mentais.

Assim, ela percebe que, em lugar de ocupar-se de seus súditos, deve orientar-se em direção à sábia 6ª e, “progredindo até a colina, apesar de demorar três anos, ao final nada a supera e obtém aquilo que deseja” (H535).

Esta linha não deixa que as obrigações impostas pelas circunstâncias externas controlem sua ação e atinge um segundo degrau de sossego, mente calma em corpo calmo, mas isto não representa ainda o sossego total e completo.

H526 => H156 Cedendo com modéstia

  1. (dūn) (gèn)()

    Controlando seus impulsos com honestidade; benéfico. 17

  2. (dūn) (gèn) (zhī) ()() (hòu) (zhōng) ()

    O benefício de controlar seus impulsos honestamente é um desfecho genuíno! 18

Yang em posição yin, sem correspondência e em vizinhança com a 5ª, esta linha, no topo da montanha, atinge o verdadeiro sossego interior que lhe permite levar a bom porto qualquer tarefa que se proponha, sublimando seu excesso de energia. Ela alcança uma quietude genuína e abrangente, mas ainda assim deve ser modesta (H15) e cuidar da sua própria disciplina, sem julgar-se acima dos outros (“é propícia e útil a ação de um general que ataque uma [pequena] cidade-estado”, diz H156).

Esta linha atinge o sossego total: corpo, mente e espírito. Ela pode finalmente agir com total adequação à realidade e com perfeita espontaneidade.

NOTAS

  1. Este hexagrama recebe uma interpretação tradicional sustentada em inúmeras contradições. É evidente que sofreu mudanças ao longo do tempo, não somente no seu texto (o texto recebido apresenta muitas diferenças com o de Mawangdui) como também, muito mais significativamente, pelo intento de adaptá-lo à tão valorada prática chinesa de meditação e aos atributos que foram sendo outorgados ao trigrama Montanha. Assim, os sentidos de várias palavras foram forçados para apresentá-las como uma gradação relativa ao corpo humano, da 1ª à 5ª linha, do dedo do pé até os maxilares, muito embora a etimologia gráfica própria dos caracteres chineses não apoie esses significados atribuídos. Esta prática não é recente, já que se remonta ao próprio Wang Bi que, baseado nas suas conhecidas tendências taoistas, fortalece o papel da meditação como uma experiência mística. A interpretação oferecida aqui difere, portanto, da tradicional e está sustentada tanto no significado principal das palavras utilizadas no texto quanto na coerência que se obtém ao considerar a linha e o hexagrama derivados. Essas divergências estão adequadamente sinalizadas ao longo do texto.
  2. O nome deste hexagrama apresenta muitas dificuldades, ao extremo de Cheng Yi comentar sobre ele (Cleary, 2003, pág.331): “Montanha significa quietude ou detenção, mas tem também as conotações de estabilidade, peso e solidez, que não podem ser compreendidas pelas palavras ‘quietude’ ou ‘detenção’. Por isso utilizo o termo ‘montanha’”.
  3. Citando o 周易杂论 Zhouyi zalun de Gao Heng 高亨, estudioso do Yi Jing da segunda metade do séc.XX. (The composition of the Zhouyi, pág.187, University Microfilms International, Ann Arbor, MI, USA, 1983).
  4. A repetição da palavra 艮 no texto recebido é questionável, já que não se trata de uma prática comum nos textos dos Julgamentos e não aparece nem no manuscrito de Mawangdui nem no Zhouyi zhu de Wang Bi. Visto que o próprio significado da palavra está sujeito a inúmeras interpretações, optamos por traduzi-la só uma vez. // 背 bèi, 130-05, formado por: 北 bêi (caráter que aparece em Mawangdui nesta posição), 021-02 W27G e representa dois homens com as costas viradas entre si, com o significado de ‘virar as costas, voltar-se; ser derrotado, fugir, escapar’; e 肉 ròu, 130-00 W65A, que representa uma penca de carne seca pendurada, com o significado de ‘carne’. O conjunto 背 representa dois homens com as costas lado a lado, virados em direções opostas, significando “Animosidade; costa, bunda; virar as costas, ir contrário a; desobedecer, rebelar-se contra”. Fica reforçada assim a ideia de um virar as costas, de um empate entre duas posições inflexíveis, entre duas montanhas que não conseguem se aproximar uma da outra. // 身 shën: “O corpo (oposto à mente), o tronco, o eu; uma pessoa por si mesma; em pessoa; pessoa, eu, mim”. Devemos destacar que o corpo físico é indicado mais comumente pela palavra 體 , que significa: “Corpo físico; substância ou essência de algo; uma coisa em si mesma; forma, figura”. // 行 xíng: “Andar, continuar; fazer, realizar, praticar, agir; ativar, colocar em movimento, pôr em prática; conduta, comportamento”. // 庭 tíng: “Pátio principal de um palácio [onde podemos imaginar muita gente circulando], sala principal da casa”. // 見 147-00, no chinês clássico existiam duas pronúncias deste caráter, com significados ligeiramente diferentes jiàn e xiàn (vide Couvreur, pág.837); o sentido de jiàn era: “Ver, experimentar com os próprios olhos; visitar, ter uma audiência com; observar, considerar; ideia, opinião, ponto de vista” (ou seja, de dentro para fora); o de xiàn: “Mostrar, ser visível, aparecer, fazer-se ver, brilhar“ (ou seja, de fora para dentro). No chinês moderno todos os significados se agrupam no som jiàn cujo sentido principal é “Ver”, derivando daí que a grande maioria dos interpretes acaba a frase com “... não vê os outros”. // É importante destacar o contraste que o Julgamento faz entre ‘controlar’, 艮 gén, no sentido de ‘parar’, 止 zhî (vide a Explicação do Julgamento), e ‘agir’, 行 xíng, contraste notório pelo fato de elas iniciarem duas sentenças paralelas. Em chinês moderno 行 止 xíngzhî, literalmente ‘andar e parar’, é uma expressão que se refere ao conjunto das condutas humanas, donde fica claro que este hexagrama aplica-se tanto à ação quanto à inação.
  5. zhî: “Um pé; parar, terminar; fazer parar; cessar; limitar. // 靜 jìng: “quietude, imobilidade; quieto, sereno, calmo”.
  6. : “Inimigo, opoente, competição; enfrentar, opor, confrontar”.
  7. : “Pensar, lembrar, deliberar, contemplar, considerar, julgar, perceber; pensamentos, ideias, mente; inferir, raciocinar, deduzir”. // 位 wèi: “Lugar, posição; situação, localização”. // Wang Bi faz uma leitura diferente desta frase (Galvany, pág.439): o sábio “é consciente de que não deve abandonar sua posição”, enfatizando que cada um deve ocupar seu lugar apropriado sem invadir o espaço de outros. Outra leitura do texto chinês, mais literal, poderia ser: “Assim, o sábio pensa em não sair de sua posição”.
  8. : “Levantar, acordar, iniciar, começar; aparição, emergir”.
  9. Além dos textos, este ‘dar-se as costas mutuamente’ está indicado pela falta de correspondência entre as linhas dos trigramas superior e inferior.
  10. zhî: “Perna, pé; dedos, fundação, base; pegadas, rasto; passo; terminar, o fim”.
  11. féi: “Panturrilha, barriga da perna; castigo de cortar uma perna”. Mawangdui traz 肥 féi: “Engordar, gordura”. // 拯 zhêng: “Cavar, ganhar; tomar, aceitar; salvar, resgatar”. Mawangdui traz 登 dëng: “subir, trepar, montar; avançar”, o que reforça a relação com a 3ª linha. // 隨 suí: “Seguir, estar de acordo com, depender de, acompanhar a; nome do H17, Acompanhando as circunstâncias”. Mawangdui traz 隋 suí: “Cortar a carne; oferenda de carne oferecida aos antepassados; enterrar os restos de um sacrifício”. // O companheiro se refere à 3ª linha, com a qual existe uma relação de vizinhança que impulsiona a 2ª linha a segui-la, assim como o pé segue as panturrilhas. Esta explicação segue a Zhu Zi, enquanto Wang Bi pensa que o companheiro é a 1ª linha (apesar de não existir relação entre elas) assim como o pé segue às panturrilhas.
  12. 退 tuì: “Retirar-se, declinar, retroceder; voltar ao lar” (observar que o radical 162, ‘andar’, vai acompanhado do fonema 艮 gèn para indicar o movimento para trás). // 聽 tïng: “Escutar intensa e cuidadosamente; ouvir; entender”.
  13. xiàn, 170-06: “Limitar, restringir, confinar; extensão, beirada”. (Observar a utilização do grupo 艮.) O manuscrito de Mawangdui está danificado neste lugar, não ajudando no esclarecimento do texto. As interpretações como “coluna vertebral” ou “quadril”, utilizadas por diferentes autores, não têm suporte nem na etimologia da palavra nem nos dicionários. // 列 liè: “Dividir, agrupar, classificar; colocar em linha, em fileira”. Mawangdui traz 戾 : “Opor-se, diferir; alcançar, chegar; retornar, retroceder, ir contra a corrente; um crime”. // 夤 yín, 036-11, formado pelo radical 夕 , “noite” e o fonema 661, 寅 yin, W172A, “comportamento, polidez ritual (um homem inclinando-se para saudar com as duas mãos juntas)”; o conjunto significa: Wieger ,“Respeitar, avançar, locais distantes”; Couvreur acrescenta “Temor respeitoso, cuidado misturado com temor”; Mathew, “Reverentemente, respeitosamente”. Nenhum dicionário apresenta o sentido de “carne das costas” utilizado pela maioria dos tradutores e intérpretes, já desde a época de Wang Bi, que glosa 夤 com esse sentido. // Couvreur (pág.189) traduz esta frase como “os nervos de seus rins estão dispostos em ordem”.
  14. shën: “O corpo (oposto a mente), o tronco, o eu; uma pessoa por si mesma; em pessoa; pessoa, eu, mim”. Mawangdui traz 躬 göng: “O corpo; si mesmo”.
  15. zhü: “Muitos, todos, indicador de plural; este, com este, usando este; locativo: em, no, etc.”.
  16. , 159-07. Formado pelo radical 車 chë, ‘carruagem’ e o fonema 271, 甫 , ‘começar, neste momento’, que W109D descreve como ‘a capacidade para formar e governar uma família, masculinidade’. Wieger define como: “Ajudar, assistir, dar uma mão, suportar”. Couvreur e Mathews dão o sentido adicional de ‘maxilar superior’ (sentido adotado pela grande maioria dos intérpretes), mas existem várias outras palavras para se referir especificamente os maxilares, em particular 頤 , nome do H27. Por outro lado, Mawangdui traz um caráter homônimo que não figura nos dicionários e que Shaughnessy sequer tenta traduzir, formado pelo radical 060, 月 yuè, ‘lua’, e o fonema 父 , ‘pai’. É importante destacar que a palavra 輔 aparece na Imagem do H11, onde todos os intérpretes a traduzem como ‘apoiar, governar, ajudar’.
  17. dün: “Cordial, amigável; valorar, estimar, considerar; honestidade, sinceridade; lidar com; corrigir, retificar, controlar”.
  18. hòu: “Substancial, significativo, importante, generoso, confiável; sincero, virtuoso, genuíno”.