HEXAGRAMA 6: DISPUTANDO INUTILMENTE
JULGAMENTO
“DISPUTANDO é necessário ter confiança e cuidado com os obstáculos.
É benéfico ficar no meio, já que ir até o fim resulta prejudicial, [por isso é INÚTIL].
É conveniente ver o grande homem, mas não é conveniente atravessar o grande rio.”
Obter este hexagrama indica a existência atual ou a possibilidade futura de uma situação de conflito, de disputa sobre qualquer aspecto da matéria da consulta. O sujeito da consulta defronta-se com uma força que o coloca em perigo. Para enfrentar o perigo ele disputa, ou tende a iniciar uma disputa, confiante nas suas razões e/ou na sua própria capacidade de vencer.
O objeto da disputa não parece ser o item mais importante e não é analisado aqui: o que é focalizado é a circunstância da disputa em si, e são propostas atitudes para se chegar bem ao fim dela.
É preciso ressaltar que se trata de uma disputa por algo, e não de uma luta entre inimigos. Até pode ocorrer que os litigantes sejam inimigos de fato, mas o conflito entre eles assume, aqui, muito mais o aspecto de um processo judicial do que o de um ataque pessoal. Mesmo que não haja envolvimento da justiça oficial, de advogados, é assim que a disputa se apresenta, porque o que existe são razões e direitos que se querem fazer valer, e não um sentimento agressivo a que se queira dar vazão.
Geralmente as disputas acontecem entre aqueles que concorrem pelos mesmos ideais ou pelos mesmos prêmios, ambos julgando-se igualmente merecedores. Por isso, é freqüente ocorrerem no seio de uma mesma família ou de uma sociedade empresarial, enfim, entre pessoas que compartilham interesses comuns.
Se a disputa já se instaurou ou é inevitável no futuro, e não há jeito de voltar atrás para anulá-la nem de evitar que venha a acontecer, a pessoa deve manter a confiança em si e nos seus objetivos e seguir as indicações do Yi Jing dadas por este hexagrama.
O cuidado com os obstáculos é fundamental. O principal perigo é o de a pessoa se envolver demais na disputa, nos seus pormenores e sutilezas, deixando-se absorver a tal ponto que perca a noção clara do conjunto e das verdadeiras posições de cada um dos envolvidos. Outros obstáculos sérios a considerar são o excesso de rigidez e de autoconfiança: o excesso de rigidez pode levar a perder uma oportunidade de negociação, e o excesso de autoconfiança pode levar a uma avaliação errônea das reais possibilidades do antagonista.
O caminho para conduzir-se bem na disputa inclui clareza de visão, raciocínio lúcido e disposição para fazer acordos, inclusive cedendo em alguns pontos, se necessário. No caso apresentado pelo consulente, vale mais a penetração sutil e a negociação com inteligência do que a obstinação em certas posições, com base na força bruta e na teimosia. Não há vez para teimosia e falatório inconsistente no caso em questão.
Procurar um meio-termo, uma solução que seja razoavelmente satisfatória para todas as partes envolvidas é a melhor saída, a que tende a dar certo e promover o bom desenvolvimento da matéria. Obstinar-se, levar a disputa até as últimas consequências, a qualquer custo, trará muito sofrimento e levará ao desgaste.
Se os disputantes não conseguem, por si, descobrir uma alternativa que satisfaça a todos, é recomendável procurar o arbítrio de uma terceira pessoa, capacitada a emitir conselhos e juízos sobre a matéria. A intervenção dessa pessoa neutra será valiosa porque ela irá ater-se ao que é justo e ao que é correto na questão, sem as preferências pessoais que, certamente, afetam os diretamente envolvidos.
Finalmente, enquanto perdurar o conflito, enquanto ele não estiver totalmente acalmado, não só exteriormente mas também interiormente, não se deve tomar nenhuma decisão importante. Um grande passo, dado sob a influência negativa de um clima de disputa, tende a não dar certo.
Isso que foi dito até aqui é o real: a disputa que já acontece ou pode acontecer ao sujeito da consulta, com relação àquilo sobre que consultou o oráculo. O ideal, segundo o Yi Jing, seria nem sequer gerar a disputa, promovendo, antes, a harmonização ou a contemporização. Seria cada um encontrar o seu próprio equilíbrio, utilizar suas forças para manter o equilíbrio e não tomar partido, pois nada de bom se origina de uma disputa: é algo estéril em si. No caso de não conseguir isso, o ideal seria procurar imediatamente um árbitro, o qual, baseando-se em valores preestabelecidos, ajudará a aclarar e resolver a questão, sem que haja disputa. Isso, naturalmente, só é possível se a consulta ao oráculo se referir a questões que ainda não estão em processo de disputa, embora já preocupem o consulente.
Nada é dito quanto ao resultado final de uma disputa efetivamente instaurada, sobre quem irá perder ou ganhar. Talvez as linhas obtidas, se as houver, indiquem isso, ou o hexagrama derivado da sua mutação.
IMAGEM
“O céu e a água divergem na sua ação e DISPUTAM INUTILMENTE.
Assim, a pessoa sábia se ocupa de suas atividades planejando-as nas suas origens.”
Na situação representada por este hexagrama, embora possa haver coincidência nos ideais e na teoria, há divergência nos movimentos e na prática, surgindo a disputa.
O conselho dado pela Imagem se dirige à pessoa que, agindo com o máximo de nobreza e sabedoria de que o ser humano é capaz, trata de evitar qualquer motivo de disputa, e o faz planejando cuidadosamente as suas ações a partir da origem, dos passos iniciais, quando são estabelecidos os princípios norteadores da conduta, as metas da ação e suas etapas, outros detalhes e, principalmente, os direitos e deveres de cada um dos envolvidos.
Embora isso não elimine completamente a possibilidade de discórdia, a diminui bastante.
1ª LINHA (6)
“Não se prolongar nos assuntos, mantendo as palavras no mínimo, acaba sendo benéfico.”
Para a pessoa a quem se refere a 1ª linha, o objeto da disputa existe por causa de seus relacionamentos com pessoas próximas e ligadas a ela. Por sua própria iniciativa ela não começaria um conflito, pois não possui inclinação nem força para isso, preferindo ficar envolvida com seus afazeres pessoais.
Assim, a atitude aqui adotada, ou recomendada, é a de não prolongar a disputa, falando apenas o suficiente para esclarecer o assunto - para si mesmo e para os outros, se necessário - e só.
Isso é o que dará certo no final, embora, por enquanto, talvez não se distinga nenhum encaminhamento de acordos.
Pelo contrário, na continuação futura dessa questão, ainda haverá o perigo potencial de conflito, exigindo muita cautela e atenção às normas estabelecidas, por parte da pessoa da 1ª linha. Mas, agindo com simplicidade e discrição, ela conseguirá seguir seu caminho sem ser importunada.
2ª LINHA (9)
“Não podendo disputar, foge e volta à sua cidade de menos de trezentas casas, sem sofrer grandes perdas.”
Aqui o conselho é para a retirada e abandono total da disputa ou da questão que possa levar à disputa.
A pessoa a quem se refere a 2ª linha, pela sua energia pessoal, pelo seu empenho e pela sua posição sólida e equilibrada, pensa que pode levar avante uma disputa e vencer, ou pensa que o assunto da consulta pode ser conduzido com base na correção, na análise e na moderação, sem gerar conflitos.
Porém ela está enganada: as suas próprias características de espírito conciliador e sensato a colocarão em posição ainda mais desvantajosa com relação aos outros envolvidos na questão, seus possíveis opositores, que, também por suas características pessoais e de posição no contexto, estão em situação de muito mais poder do que a dela, tendo, portanto, mais condições de enfrentar e vencer uma disputa.
Assim, o correto para a pessoa da 2ª linha é realmente fugir da disputa e se esconder quietamente em meio aos seus, para não ser provocada ou perseguida.
Isso não é covardia, mas é uma necessidade do momento.
É claro que essa atitude pode levar toda a matéria da consulta a um estado de estagnação que, entretanto, será benéfico.
3ª LINHA (6)
“Alimenta-se do seu potencial original e insiste nele com um rigor que acaba sendo benéfico, mas, no caso de atender aos assuntos do rei, não consegue nada.”
Aqui a pessoa é aconselhada a abandonar a disputa, seguindo o exemplo de outros, mais experientes, mais sábios ou mais velhos, ou seguindo seus próprios valores e costumes tradicionais.
A pessoa, talvez, não queira fazê-lo, por se julgar muito forte e bem relacionada. Mas não é realmente forte, apesar de toda a sua energia e lucidez, e os seus relacionamentos tendem a envolvê-la em trabalhos e disputas, sem considerar as suas reais possibilidades.
O resultado é que, se ela se meter em conflito com elementos mais poderosos do que ela, ou simplesmente se envolver em atividades com eles, não conseguirá nada e, no futuro, se verá depauperada e sem condições de fazer muita coisa.
Se, por outro lado, ela se mantiver na atitude de seguir prudentemente a trilha mais pacífica, traçada por outro, pela tradição ou por si mesma, e se conscientizar dos riscos existentes, acabará conseguindo um bom encaminhamento da questão e evitará grandes erros no futuro, embora, talvez, ainda tenha dificuldade de avançar.
4ª LINHA (9)
“Não podendo disputar, retrocede e assume seu quinhão; mudar, insistindo calmamente, é benéfico.”
O conselho ou a previsão para o sujeito da consulta, nesta linha, é para não disputar agora, mas também não desistir dos seus objetivos: ele deve trocar a luta aberta pela persuasão discreta, pela insistência calma.
Aparentemente, os objetivos ou os desejos da pessoa da 4ª linha conflitam com aqueles das pessoas com quem interage, na matéria da consulta, e a quem deve obediência, consideração ou solidariedade, de modo que ela está em posição inconveniente e desvantajosa para sustentar uma disputa.
Tendo clareza de visão suficiente para perceber essa situação e as suas reais possibilidades; sabendo que, sozinha ou com apoios fracos, não terá força para vencer; e, além disso, sentindo um pouco de hesitação, a pessoa recua, desiste da disputa. Ao mesmo tempo, ela possui firmeza interior bastante para não abandonar as suas metas e, assim, continua perseguindo-as a seu próprio modo, sutil e penetrante, insistente sem ser agressivo.
Isso é o que dará certo e, na continuação futura da questão da consulta, a pessoa consegue não só se libertar daquela teia que a tolhia, mas ainda atingir o objetivo, ganhar o que pretendia, embora parecesse perder.
Agindo do modo aqui descrito, a pessoa não perde nada.
5ª LINHA (9)
“Na disputa tem benefícios fundamentais.”
Esta linha mostra o elemento que consegue manter-se acima das disputas.
Ele não ignora os conflitos, não se retrai, não foge nem se esconde: consegue tomar conhecimento e partido sem se deixar envolver, atuando exatamente como um juiz. Consegue isso devido à posição inatacável que ocupa, no assunto da consulta, e também pelas suas qualidades intrínsecas de correção, equilíbrio e senso de justiça.
Pode ser que esta linha indique o árbitro a quem os litigantes devem procurar para resolver suas desavenças, ou pode ser que indique o comportamento ideal que o sujeito da consulta deve assumir, com relação à questão em foco.
De qualquer modo, a atuação da pessoa da 5ª linha é benéfica, trazendo, a partir da sua intervenção, o bom encaminhamento da matéria.
Talvez a questão não fique inteiramente resolvida imediatamente. Se for assim, não há motivo de arrependimento para a pessoa da 5ª linha e ela deve insistir no seu comportamento atual.
6ª LINHA (9)
“No caso de obter um cinto de dignitário como prêmio, no final da manhã lhe será arrancado três vezes.”
Aqui se mostra a pessoa que move uma disputa ou que se empenha muito para obter vantagens superficiais, pequenas.
O Yi Jing adverte que nenhum ganho moral ou social verdadeiro lhe advirá dessa conduta. Ainda que venha um ganho, será de pouca duração, tão inconsistente quanto o objeto pelo qual lutou, acabando mesmo por ser motivo de demérito para a pessoa.
A explicação para a pessoa da 6ª linha agir de um modo inferior ao que seria próprio para alguém do seu nível é que, enaltecida pela sua força e poder, ela se deixa atrair para a disputa e envolver por elemento(s) de um nível mais baixo do que o seu, em algum aspecto.
Se isso ainda não aconteceu, o consulente deve tomar esta linha como a indicação de um caminho a evitar.
Se isso já aconteceu, ou se as coisas tomarem efetivamente o rumo aqui descrito, a tendência é de a superficialidade da pessoa da 6ª linha se acentuar e de os agravos aqui sofridos a deixarem insegura e com medo de agir, em meio ao sofrimento.