H04 Superando a ignorância

  1. Yi Jing Orienta
  2. Yi Jing: Uma ferramenta para o autoconhecimento
  3. Hexagramas
  4. Hexagrama 04

TEXTOS GERAIS

NOME

蒙 SUPERANDO A IGNORÂNCIA

méng 140-10 W34I: Representa um porco 豕 shî preso numa gaiola feita de plantas 艸 câo. O conjunto significa: “Esconder; torpe, estúpido; receber, sofrer; receber uma ação, passividade”. Couvreur: “cobrir; um tipo de planta trepadeira; pouco instruído, ignorante, quem começa a aprender, pouco inteligente”.

No manuscrito de Mawangdui tem o mesmo nome.

PALAVRAS-CHAVE

SUPERAR:
Avantajar-se, dominar, predominar, preponderar, prevalecer, sobrelevar, sobrepujar, subjugar, submeter, suplantar, triunfar, vencer, vingar.
IGNORÂNCIA:
Atraso, barbárie, cegueira, desconhecimento, desentendimento, desinformação, embaraço, incompreensão, incultura, obscurantismo, perplexidade, simplicidade, trapalhice, trevas.
INEXPERIENTE:
Aprendiz, bisonho, calouro, desconhecedor, ignorante, imperito, inexperto, leigo, novato, novo, principiante, verde. Canhestro, desajeitado, desastrado, desjeitoso, embaraçado, estabanado, inábil, inapto, incapaz.

OUTROS NOMES

JAVARY:
O jovem imprudente
O aprendizado
RICCI:
Imaturidade, inexperiência, experiências da vida que começa, momento onde os jovens interrogam os sábios.
ZAFRA:
Caindo nas nossas próprias armadilhas
JAVARY:
A Aprendizagem da Juventude
HUANG:
Infância
WING:
Inexperiência (Folia juvenil)
REIFLER:
Ignorância juvenil
DAMIAN-KNIGHT:
A Inexperiência do Jovem (O Estudante)
SHCHUTSKII:
Imaturidade
LOISI:
A burrada juvenil, aprender
GALL:
A fonte
BLOFELD:
Imaturidade, Plantas selvagens
SIU:
Ganhando experiência
LEGGE:
Inexperiência juvenil (Obscuridade)
DAMIAN-KNIGHT:
A inexperiência dos jovens
CHIH-HSIU:
Obscuridade
WILHELM:
A insensatez juvenil
REVERSO:
H03 e H04
Tropeçar ou Aprender

JULGAMENTO

(méng)(hēng)(fěi) () (qiú) (tóng) (méng)(tóng) (méng) (qiú) ()

(chū) (shì) (gào)(zài) (sān) ()() () () (gào)() (zhēn)

Superando a ignorância se exerce influência.

Não sou eu quem procura o jovem ignorante, o jovem ignorante me procura.

À primeira consulta respondo, caso sejam duas ou três fica molesto; molestando não respondo. [Tendo isso em conta,] é conveniente insistir. 1

PALAVRAS-CHAVE

INFLUIR:
Aconselhar, animar, assoprar, encaminhar, estimular, iluminar, imbuir, imprimir, inculcar, induzir, infundir, insinuar, instigar, instilar, insuflar, levar, originar, persuadir, soprar, sugerir, sugestionar.
RESPONDER, ACEITAR:
Abraçar, acatar, aceder, acolher, acreditar, aderir, admitir, adotar, afinar, anuir, aprovar, assentir, assumir, ceder, conceder, concordar, confirmar, consentir, convergir, deferir, eleger, encontrar-se, envolver-se, escolher, esposar, facilitar, facultar, juntar-se, ligar-se, outorgar, permitir, professar, propugnar, receber, reconhecer, seguir, tomar, topar, unir-se.
CONVENIENTE:
Acertado, adaptado, adequado, apropriado, apto, bom, cabível, capaz, cômodo, competente, congruente, devido, eficaz, eficiente, exato, idôneo, justo, oportuno, preciso, prestativo, propício, próprio, proveitoso, usado, útil, válido, vantajoso.
INSISTIR:
Repetir, ecoar, espelhar, inculcar, iterar, recomeçar, redizer, refazer, reincidir, reiterar, renovar, repisar, reproduzir. Teimar: Aferrar-se, afincar, agarrar-se, birrar, emperrar-se, fincar-se, martelar, obstinar-se, perseverar, persistir, porfiar, recalcitrar, reincidir, resistir, turrar.

EXPLICAÇÃO DO JULGAMENTO

(méng)(shān) (xià) (yǒu) (xiǎn)(xiǎn) (ér) (zhǐ)(méng)(méng) (hēng)() (hēng) (háng) (shí) (zhōng) ()

(fěi) () (qiú) (tóng) (méng)(tóng) (méng) (qiú) ()(zhì) (yìng) ()

(chū) (shì) (gào)() (gāng) (zhōng) ()(zài) (sān) ()() () () (gào)() (méng) ()

(méng) () (yǎng) (zhèng)(shèng) (gōng) ()

Superando a ignorância: na base da montanha há perigo; perigo e imobilidade, eis a ignorância. Superando a ignorância se exerce influência porque se influi agindo no momento certo! 2

Não sou eu quem procura o jovem ignorante, o jovem ignorante me procura porque assim as tendências se correspondem!

À primeira consulta respondo porque é firme e central! Caso sejam duas ou três fica molesto; molestando, não respondo porque molestar é ignorância!

Superar a ignorância mediante o cultivo da retidão é o mérito do sábio! 3

Os atributos dos trigramas constituintes, Água (perigo, rigor) e Montanha (rigidez, imobilidade), definem a ignorância e a inexperiência como equivalentes a permanecer imóvel perante o perigo. Podemos, porém, efetuar outra leitura desses trigramas que explicite a atitude correta de um discípulo: profundidade interior (Água inferior) unida a uma escuta atenta e passiva no exterior (Montanha superior)

A transferência de conhecimentos entre o sábio e o ignorante não se dá em qualquer momento. É necessário que o aluno tenha amadurecido o suficiente para poder receber, entender e assimilar o conhecimento transmitido.

O fato de um aluno procurar um mestre aumenta a predisposição do sábio para transmitir seu conhecimento. Dessa forma cada um se sente estimulado a cumprir seu papel. Ao mesmo tempo, percebemos que a função do sábio possui certa qualidade yin, já que deve ser receptivo e flexível às características de cada aluno. Isso serve para esclarecer o porquê de o Yi Jing considerar a 6ª linha de qualquer hexagrama, uma posição yin, como representativa de um sábio.

A referência a responder na primeira consulta alude à 2ª linha, yang e central, que representa o discípulo sincero, atento e disposto a aprender, ao qual o mestre atende com prazer.

No último parágrafo fica explicitada a função do sábio: ele não deve ser um acervo estéril de conhecimentos, já que deve se dedicar à superação da ignorância dos outros. Por outro lado ele não alimenta, mas cultiva. Alimento é algo pronto para ser entregue ao aluno, cultivar é favorecer o crescimento das capacidades potenciais do discípulo.

IMAGEM

(shān) (xià) (chū) (quán)(méng)(jūn) () () (guǒ) (háng) () ()

Na base da montanha jorra uma fonte, superando a ignorância.

Assim, a pessoa sábia, com seu agir frutífero, desenvolve seu potencial. 4

A pessoa sábia procura, agindo pedagogicamente, alimentar o potencial do aluno, fazendo frutificar aquilo que já está presente no discípulo em forma de germe. Noutras palavras, ajuda a atualizar o potencial do discípulo. Não trata de forçá-lo a ser um espelho do mestre, pelo contrário, o estimula a assumir seus próprios potenciais.

Sendo este um dos dois hexagramas nos quais o Yi Jing fala de si mesmo, podemos extrapolar que esta ação do mestre tem seu paralelismo com a ação do livro naqueles que o estudam. Ele age deixando florescer as capacidades já presentes no estudante, ajudando-o a mergulhar no seu inconsciente para concretizar seus potenciais.

SEQUÊNCIA

(tún) (zhě) () (zhī) (shǐ) (shēng) ()() (shēng) () (méng)() (shòu) (zhī) () (méng)

(méng) (zhě) (méng) ()() (zhī) () ()

Quem começa com contratempos está no surgimento inicial das coisas; as coisas que surgem certamente são imaturas, por isso agora vem superando a ignorância. Aquele que deve superar sua ignorância é imaturo; isso é próprio das coisas viçosas! 5

HEXAGRAMAS MISTURADOS

(tún) (jiàn) (ér) () (shī) () ()(méng) () (ér) (zhù)

Os COMEÇOS COM CONTRATEMPOS são visíveis, mas não saem de seu lugar.

Ao SUPERAR SUA IGNORÂNCIA fica confuso, mas se destaca. 6

No começo as coisas são como pequenas plantas que começam a germinar. De tão fracas, elas não devem ser mudadas de lugar porque podem ser destruídas. Da mesma forma os problemas que se apresentam nos começos das diversas situações podem parecer preocupantes, mas ficam contidos porque não se espalham.

A pessoa imatura que supera a ignorância de deixar-se abrumar pelos problemas incipientes pode até permanecer um pouco confusa, mas, certamente, começa a se destacar.

DESCRIÇÃO DO MOMENTO

Quando as coisas COMEÇAM a aparecer o fazem de forma inicialmente confusa e cheia de CONTRATEMPOS. Nesses começos todas as coisas são imaturas e muito IGNORANTES, da mesma forma que uma fonte jorrando do sopé de uma montanha é o início modesto de algo que pode chegar a se converter num grande e caudaloso rio. Elas deverão aprender a ESPERAR SEM INQUIETAR-SE a sua evolução natural.

Vemos neste hexagrama a imagem da imaturidade e de sua correlata, a ignorância. O Yi Jing nos apresenta a ignorância como o estado inicial de um processo que tende à sabedoria, dependendo do esforço do estudante e da habilidade do mestre.

Um rio é, nos seus começos, de pouco caudal, mas impetuoso, brincalhão e arriscado ao descer os passos perigosos da montanha. Pouco a pouco, à medida que desce na planície, ele vai ganhando volume e seu movimento é cada vez mais majestoso. Esta imagem é equivalente à do jovem inexperiente que passo a passo vai incorporando conhecimentos e ganhando assim segurança e sabedoria.

O Yi Jing considera normal a vinculação da ignorância com inexperiência e imaturidade. Ela é justificável num jovem, mas não num adulto. Este hexagrama trata de ignorância fruto da inexperiência e não da falta de conhecimento de determinada coisa, já que isso pode acontecer a qualquer idade e com qualquer um, até a um mestre que, necessariamente, não sabe tudo de tudo. Assim, aqui vemos focalizada 蒙 méng, a ignorância, e não 知 zhï, o conhecimento. É apropriado enfatizar aqui que 知 zhï significa ‘saber como fazer algo’ e não ‘conhecer algo sobre alguma coisa’ (vide Glossário). Noutras palavras, na cultura chinesa, o conhecimento não é saber algo sobre algo senão saber lidar com esse algo. Isso é muito diferente do conceito ocidental, que separa o conhecimento do objeto que o determina, o que nos leva a pensar que podemos nos afastar do mundo para observá-lo “objetivamente”, enquanto os chineses ficam envolvidos nesse mundo sem se dissociar dele. A consequência é que a educação chinesa está orientada à experiência, assim como no Ocidente está orientada à teoria.

Nenhuma das linhas deste hexagrama nos fala diretamente do mestre, só falam do aluno ignorante. Temos assim representado um conceito de extrema importância: não se ensina, se aprende. O protagonista, e foco absoluto, é o aluno inexperiente, enquanto o mestre é só um coadjuvante nesse processo.

O primeiro princípio que se estabelece neste hexagrama é que o processo de superação da ignorância deve começar por iniciativa do estudante. Dele deve partir a vontade e a energia que vão conduzir o processo, enquanto o mestre, mais do que agir, reage aos estímulos do discípulo.

O segundo princípio é que nesse processo existe um método fundamental: o estudante pode expressar suas dúvidas consultando seu mestre, mas, em contrapartida, deve analisar com cuidado a resposta que obtém, evitando repetir inutilmente a pergunta. A informação é colocada pelo mestre à disposição do jovem, dependendo deste compreendê-la e assimilá-la.

Respeitando esses princípios é conveniente insistir no processo que rematará a ignorância com que o estudante começou.

O hexagrama nuclear é H24, Ressurgindo positivamente, indicando que no cerne do combate à ignorância se instala o retorno do yang, ou seja, da luminosidade, após um período de escuridão.

O hexagrama antagônico é H49, Renovando radicalmente, hexagrama das mudanças revolucionárias. Um câmbio enérgico e rápido, como o que caracteriza uma revolução, é a antítese das mudanças paulatinas que distinguem o processo que converterá um ignorante num sábio.

O hexagrama oposto é H03, Começando com contratempos, que é outra forma de enxergar as dificuldades que deverá enfrentar um inexperiente jovem, antes de atingir seu amadurecimento.

Este hexagrama contempla a ignorância desde o ponto de vista do ignorante, é por isso que o regente não é a 6ª linha, a do sábio, mas a 2ª, a única linha que mostra um aluno-discípulo capacitado para aprender e dedicando suas energias para isso. A 6ª só cumpre o seu papel, enquanto a 2ª tem mérito por representar um esforço de superação da ignorância. As duas linhas yang, luminosas, representam sabedoria, enquanto as quatro linhas yin, escuras, representam diversas formas de ignorância. Todas as linhas yin, exceto a 4ª, mantêm alguma relação legítima com linhas yang (1ª com 2ª, 3ª com 6ª e 5ª com 6ª) o que lhes outorga a possibilidade de sair da sua ignorância. O isolamento da 4ª, porém, aprofunda mais ainda seus problemas.

  • H046 O mestre; deve controlar seus impulsos e evitar estabelecer uma disciplina inócua.
  • H045 Sua intuição e espontaneidade lhe permitem superar sua ignorância.
  • H044 Sua ignorância a paralisa e isola.
  • H043 Sua ignorância a empurra a atos impensados.
  • H042 Não deixa que sua ignorância a impeça de avançar.
  • H041 Deve-se reprimi-la para ajudá-la a superar sua ignorância.

Este hexagrama e o H08, Aproximando-se mutuamente, são os únicos nos quais o Yi Jing fala de si mesmo. No H04, partindo do princípio de que se quem consulta o Yi Jing é alguém inexperiente, ele recomenda fortemente prestar atenção à resposta recebida antes de efetuar outra consulta. No H08, no enquanto, é pressuposto um consulente esclarecido que é incentivado consultar novamente o livro.

LINHAS

H041=>H411 Diminuindo o supérfluo

  1. () (méng)() (yòng) (xíng) (rén)(yòng) (shuō) (zhì) ()() (wǎng) (lìn)

    Quando manifesta sua ignorância é conveniente e útil castigá-lo, mas só se for para remover-lhe grilhões e algemas, já que avançar desordenadamente envergonha. 7

  2. () (yòng) (xíng) (rén)() (zhèng) () ()

    É conveniente e útil castigar a pessoa usando um método correto! 8

Yin em posição yang, sem correspondência e em vizinhança com a esforçada 2ª, esta linha não tem energia suficiente para enfrentar sua situação e representa o ignorante na sua forma mais grosseira. Ela não está à altura das suas circunstâncias e deve, portanto, ser repreendida e castigada, mas é necessário "reflexionar sobre a diminuição" (H411) que a aplicação desses castigos possa provocar à pessoa. É necessário diminuir os castigos supérfluos (H41) já que o objetivo é libertar o discípulo e não rebaixá-lo.

H042=>H232 Desgastando-se perigosamente

  1. (bāo) (méng) ()() () ()() () (jiā)

    Conter sua ignorância é benéfico. Tomar uma esposa é benéfico porque o jovem mostra-se capaz de manter uma família. 9

  2. () () (jiā)(gāng) (róu) (jiē) ()

    O jovem é capaz de manter uma família porque o firme e o maleável estão unidos! 10

Yang em posição yin, em correspondência com a intuitiva 5ª e vizinhança com a fraca 1ª e a impulsiva 3ª, esta linha tem um excesso de energia que fica mitigada pela sua condição de central. Por ser luminosa apresenta algum esclarecimento, mas sua posição no começo do hexagrama indica que tem muito trabalho pela frente até se converter no mestre da 6ª. Sua luminosidade ainda é fraca e, apesar de já ter a capacidade para trilhar seu próprio caminho, por exemplo, constituindo uma família, não deve imaginar que sua ignorância se dissipou e deve conter-se porque "insistir é destrutivo e prejudicial" (H232). H23 mostra uma única linha luminosa sendo pressionada pela ação das cinco linhas escuras debaixo dela, ou seja, o triunfo potencial da escuridão e da ignorância.

Formar uma família refere-se à necessidade do discípulo de adotar certa disciplina (lembrar que 家, jiä, ‘família’ é o nome do H37, Organizando uma família) assim como uma forma de canalizar seu excesso de yang ao ter que assumir a função de pai.

A esta linha se aplica o preceito socrático de "só sei que não sei nada", compreensão a partir da qual se fundamenta o conhecimento.

H043=>H183 Endireitando o deteriorado

  1. () (yòng) () ()(jiàn) (jīn) ()() (yǒu) (gōng)() (yōu) ()

    Não é proveitoso casar-se com uma jovem que, ao ver um homem rico, entrega seu corpo; nenhum lugar é conveniente. 11

  2. () (yòng) () ()(háng) () (shùn) ()

    Não é proveitoso casar-se com uma jovem que age por não conformar-se! 12

Yin em posição yang, em correspondência com o mestre da 6ª e vizinhança com a esforçada 2ª, esta linha não tem suficiente energia, mas sente-se impulsionada a agir irrefletidamente, mostrando assim sua ignorância. Ela consegue enxergar o sábio, a 6ª linha, e se entrega a ele, sem perceber que o caminho de saída da ignorância é interior e não exterior, o da independência e não o da dependência. Não se conforma com sua situação, ainda imatura, e procura colocar-se à altura do mestre. Essa atitude errada deverá ser consertada "corrigindo o que foi deteriorado pelo pai (a 6ª)", como diz H183.

Esta linha vê as coisas de uma forma tão irreal como a limitada 4ª, mas apresenta uma ignorância mais sutil já que é capaz de enxergar o verdadeiro conhecimento, mas erra na forma de se aproximar dele.

䷿

H044=>H644 Ainda não atravessado

  1. (kùn) (méng)(lìn)

    Limitado pela sua ignorância se envergonha. 13

  2. (kùn) (méng) (zhī) (lìn)() (yuǎn) (shí) ()

    A vergonha de ficar limitado pela sua ignorância vem de ficar isolado e afastado da realidade! 14

Yin em posição yin, sem correspondência nem vizinhanças, esta linha está limitada demais. Além de isolada, carece de energia própria para enfrentar sua ignorância e se refugia num mundo irreal, imaginário. Estando na base do trigrama superior, Montanha, é como se fizesse uma regressão ao estágio inicial da fonte jorrando. Ela se encontra no começo de um processo que ainda é potencial (H64, Ainda não atravessado) e não deve se esforçar em tentar obter resultados imediatos já que, “ainda que utilize grande força para atacar Guifang, só após três anos terá como recompensa o grande reino”, como diz H644. Noutras palavras, ela está distante da sabedoria e a pressa não vai aproximá-la dela.

H045=>H595 Dispersando a rigidez

  1. (tóng) (méng)()

    Uma ignorância infantil é benéfica. 15

  2. (tóng) (méng) (zhī) ()(shùn) () (xùn) ()

    O benefício da ignorância infantil vem de conformar-se consentindo! 16

Yin em posição yang central, em correspondência com a esforçada 2ª e vizinhança com o mestre da 6ª, esta linha aparece, por conta da sua ignorância, como um imperador imaturo para a posição que ocupa, mas este estado não é permanente. Ela é yin (escura, logo ignorante), mas sua posição central reafirma suas tendências receptivas e sua vizinhança com o mestre da 6ª e o exemplo da 2ª a aproximam da sabedoria. Laozi, capítulo XX, descreve e elogia este tipo de ignorância (Wilhelm; Tao-Te King; pág.56):

"Todos os homens são tão radiantes [...], só eu, tão hesitante, não recebi ainda algum sinal, como uma criancinha que ainda não sabe rir. [...]

Os homens do mundo são esclarecidos - ai! - tão esclarecidos; só eu pareço um tolo! [...]

Só eu sou diferente de todos os homens; mas acho muito importante buscar alimento junto ao Tao".

Temos aqui um ignorante que intuitivamente reconhece sua imaturidade, dissolvendo-a (H59) e tendo acesso assim aos verdadeiros conhecimentos. Ele, com "grandes gritos [infantis] dispersa" a ignorância e acaba “afirmando-se como rei", como diz H595.

H046=>H076 Liderando com experiência

  1. () (méng)() () (wéi) (kòu)()(kòu)

    Punindo a ignorância não é conveniente converter-se num agressor; convém controlar a agressão. 17

  2. () (yòng) () (kòu)(shàng) (xià) (shùn) ()

    É conveniente e útil controlar a agressão porque assim os de cima e os de baixo obedecem!

Yang em posição yin, com correspondência com a impulsiva 3ª e vizinhança com a intuitiva 5ª, localizada no topo do hexagrama e, por isso, praticamente fora da ignorância, esta linha representa o mestre que conduz a todas as outras. Ela pode ser o "grande príncipe que emite ordens" para executar grandes tarefas, do qual fala H076, Liderando com experiência, mas deve cuidar para não se exceder em função da sua energia.

Esta linha é a oposta e complementar da 1ª. Lá temos o ponto de vista do aluno, que sente a disciplina como um castigo, enquanto aqui temos a perspectiva do mestre, que pode se converter num agressor sem percebê-lo, confundindo excesso de disciplina com transmissão de conhecimento. Por isso H076 diz "um homem inferior não seria útil e provocaria o caos". É evidente que um discípulo deve se sujeitar a certa ordem, mas não deve se sentir reprimido. Dessa forma os alunos obedecem ao mestre e o mestre obedece a princípios superiores.

Outro ponto interessante é o fato de o mestre estar na 6ª linha, quase saindo da ignorância, mas ainda não totalmente fora. Um mestre não sabe tudo porque pode ser ignorante em muitos outros assuntos. É por isso que um dos maiores erros, representado pela 3ª linha, é se deixar fascinar pelos homens que assumem o rol do sábio.

NOTAS

  1. qiú: “Procurar, buscar, desejar, perseguir”. // 童 tóng: “Criança, garoto, jovem”. // 告 gáo: “Informar, contar alguma coisa”. Mawangdui, nas duas ocorrências de 告, traz 吉 “Benéfico”. O texto de Mawangdui ficaria: “A primeira consulta é benéfica, caso sejam duas ou três fica se repetindo; repetir-se não é benéfico”. // 再 zài: “Duas; outra vez; repetido”. // 瀆 : “Reiterativo, repetitivo, molesto, entediante, cansativo”.
  2. xiân: “Perigo; severo, rigoroso”. // 止 zhî: “Um pé; parar, terminar, findar; permanecer”.
  3. yâng: “Alimentar, cultivar”. // 功 göng: “Mérito, honra; habilidade”.
  4. quán: “Uma fonte”. // 果 guô: “Fruta, frutificar; obstinado, determinado; o resultado ou efeito de uma habilidade”. // 育 : “Alimenta, nutre, desenvolve”. // 德 de: “Virtude, potência”.
  5. : “Osmanthus fragans, arbusto perfumado sempre-verde”. Outras versões trazem 稚 zhì: “Viçoso; jovem, tenro”. (Vide W168A e W100B.)
  6. : “Confusão, mistura; problemas”. // 著 zhé: “Aparente, manifesto, brilhante, destacável, fazer saber pela palavra ou por escrito”.
  7. shuö: “Dizer”. Couvreur, pág.854, dá como intercambiável com 脫 tuö 130-07: “Retirar; liberar, escapar, separar”.
  8. : “Método, lei”.
  9. bäo: “Envolver, empacotar; controlar, garantir, encarregar”. // 納 : “Trazer, receber, nomear”. // 婦 : “Esposa, mulher, senhora”. // 子 : “Filho, criança; filhote; na China antiga um título honorífico masculino; um mestre, um sábio”. // 克 : “Capaz de, competente”.
  10. jië: “Contato, junto, misturado”.
  11. : “Casar-se”. // 金 jín: “Ouro, metal; armadura; duro”. // 夫 : “Esposo, homem”. // 躬 göng: “O corpo; si mesmo”. // 攸 yöu: “Local”.
  12. shùn: “Seguir, obedecer, concordar”.
  13. kùn: “Ter problemas; ansiedade; sofrer; limitar”.
  14. : “Só, sozinho; por si mesmo”. // 遠 yuân: “Distante; manter-se longe de”. // 實 shí: “Colher; verdade, realidade, coisas concretas; sólido, cheio”.
  15. tóng: “Criança, infante, bebê”.
  16. xùn: “H57; ceder, seguir; discreto”.
  17. : “Golpear, atacar”. // 寇 kòu: “Invasor, inimigo”. // 禦 : “Defender, resistir, proteger, prevenir, resguardar-se; resistir, se opor, desafiar”.